No dia 29 de setembro de 1942, nascia no Rio de
Janeiro, no dia de São Sebastião, Sebastião Rodrigues Maia, mais conhecido como
Tim Maia. Para lembrar a data em que ele completaria 80 anos, comentarei sua
cinebiografia.
No filme Tim Maia (Brasil, 2014), somos
apresentados às diferentes fases da vida do Tim (Robson Nunes jovem e Babu
Santana na maturidade) da sua infância na Tijuca, ajudando sua grande família a
entregar marmita. Tim Maia era penúltimo da numerosa prole dos 20 filhos de
Altino Maia e Maria Imaculada Maia. Era chamado de Tião Marmita, apelido que
detestava.
Nessa
passagem inicial do filme é mostrado como ele desde criança já tinha adquirido
o aspecto físico bem rechonchudo, ainda mais quando era mandado a ajudar a
família entregando marmitas, e por assumir essa função terminava aproveitando
para comer às escondidas a comida dos clientes. Também ganha destaque sua
formação escolar em um colégio católico.
No decorrer da passagem do tempo, o filme vai
mostrando um Tim Maia mais crescido e com o aspecto físico mais roliço no final
da década de 1950, sonhando alto com sua carreira musical. Foi graças a um padre da escola onde estudava
que ele conseguiu adquirir seu primeiro instrumento. Também é nessa fase da
vida dele que realiza suas primeiras tentativas de conseguir viver sua tão sonhada
carreira musical, formando duas diferentes bandas.
Nessa época também é mostrado como foi o
relacionamento dele com duas importantes figuras da música brasileira, Roberto
Carlos (George Saruma) e Erasmo Carlos (Tito Navile), e o pioneirismo da Jovem
Guarda, um importante movimento musical surgido nessa época influenciado pelo
rock americano. Também o mostra formando junto com esses dois amigos a banda The
Sputniks. O cenário da época certamente deve trazer um pouco de nostalgia
aos que tem mais de 50 anos. Esse é também o momento em que Tim Maia vivencia
sua primeira tentativa de se lançar como cantor no programa de auditório do famoso
apresentador de TV Carlos Imperial (Luís Lobianco), que, naqueles primórdios da
televisão, com a extinta TV Tupi (1950-1980), poderia ser comparado a
comunicadores como Faustão e outros do gênero.
É também nessa fase de sua juventude Tim Maia apresenta
os primeiros traços de sua personalidade intempestiva, que se tornaria a grande
responsável por, em diferentes momentos da sua vida, queimar sua carreira na
música.
No momento em que retorna ao Brasil, descobre
como a carreira musical de seus antigos parceiros dos Sputniks, Roberto
Carlos e Erasmo Carlos, eles estavam se tornando grandes mercadorias lucrativas
para muitas gravadoras brasileiras, no auge da Jovem Guarda. Nessa época, Tim
Maia precisou penar para conseguir virar o cantor que se tornaria futuramente.
Mais para frente, o filme mostra o cantor já bem estabelecido mercadologicamente,
havendo inclusive uma forte sacralização em torno dele.
É no cenário da fase dourada que foi nos anos
1970 que o filme mostra detalhes curiosos dos bastidores das canções que ele
gravou. Além disso, mostra um pouco da sua relação amorosa com Janaína (Alinne
Moraes). Interessante perceber nessa época, como, na mesma medida e proporção,
ele conseguiu grandes sucessos, como também grandes fracassos, sua vida bem
porra-louca nas festas onde bebia e se drogava excessivamente e envolvido nos
episódios controversos. Um desses momento foi quando inventou de aderir à seita
religiosa dos Racionais, comandada por Manuel Jacinto Coelho (Nando Cunha),
onde terminou tentando doutrinar seus fãs gravando um álbum que lhe custou sua
carreira. Isso sem falar no seu perfil irascível, que o fez entrar em sérios
conflitos com gravadoras, somados ao afastamento de alguns de seus amigos, de
sua amada. Sua genialidade musical contrastava demais com sua personalidade
difícil que o levava a viver um estilo de vida um tanto controverso.
O filme contou com a direção de Mauro Lima,
também encarregado de escrever o roteiro em conjunto com Antônia Pellegrino, cuja
base foi a biografia Vale Tudo: o som e a fúria de Tim Maia, publicado
em 2007, escrito pelo jornalista e produtor musical Nelson Motta. Pelo que pude constatar do filme sobre a vida
do cantor Tim Maia, ele procura esmiuçar ao máximo possível todos os diferentes
momentos da sua carreira: da ascensão e queda, passando por fases bem
controversas, também mostrando seu talento musical, contrastando com o ser
humano cheio de muitos defeitos como qualquer pessoa comum. Ou seja, são as
várias faces de um mesmo Tim Maia, ainda que com algumas licenças poéticas,
para poder seguir algumas convenções narrativas para fins dramatúrgicos.
Assim, houve alguns momentos que acabaram
ficando de fora do filme, logicamente para o filme não ficar muito cansativo.
Inclusive, senti falta de alguns detalhes de sua vida íntima na representação
da figura paterna com os filhos Leo e Carmelo Maia. Assim como também não chegaram explorar suas
outras amizades e parcerias musicais com cantores como Jorge Ben Jor, Gal Costa,
Sandra de Sá ou mesmo outros episódios bem controversos de algumas malandragens
que lhes custaram muitas dívidas.
Enfim, o que posso definir do filme biográfico sobre Tim Maia, é que ele é excelente para se conhecer um pouco melhor do nosso contexto musical, sobretudo pra gente valorizar mais a cultura brasileira. O filme apresenta um excelente trabalho no design de produção com uma estética retrô com a fotografia, cenografias e belíssimos figurinos que reconstituem bem cada momento histórico do cenário musical vivenciado pelo Tim. Tudo impecável.
Passando pela sua infância e começo da
juventude, durante os anos 1950, adentrando pelos anos 1960, após sua passagem
em solo americano, e retornando deportado ao Brasil, após estourar com a Soul music,
nos anos 1970, e cair no fundo do poço; e após retomar ao sucesso até chegar ao
final dos anos 1990, já muito debilitado pelos excessos da vida que o levaram a
passar mal no seu último show, em 08 de março de 1998, e falecer dias depois. Tudo
isso criando todo um clima de nostalgia para quem conheceu muitas das suas
diferentes fases tão bem reconstituídas no filme.
O elenco do filme é incrível, com destaque para
Robson Nunes e Babu Santana, que estão perfeitos encarnando o papel do cantor
em diferentes momentos da vida.
Robson Nunes está excelente apresentando um Tim
Maia mais jovem sonhando alto com sua carreira artística e tendo uma forte
ligação com o Roberto Carlos e já mostrando os primeiros sinais da sua
personalidade explosiva. Babu Santana está perfeito no papel do Tim Maia mais maduro
e com a carreira musical estabelecida. Sua perfeita empostação de voz o deixa
quase idêntico ao cantor.
É curioso imaginar que os dois artistas que
encarnam com perfeição no filme um Tim Maia com idades tão diferentes, o
primeiro bem adolescente e o segundo um homem com mais de 30 anos; na vida real,
têm uma diferença de idade de apenas três anos. Destaco ainda a excelente interpretação
de outros atores que são rostos bem conhecidos do grande público, o galã global
Cauã Reymond é um deles, que está brilhante no papel do cantor Fábio. Aliás, é esse
personagem quem assume a função de ser o fio condutor da história ao fazer a
narrativa em off na segunda pessoa. Alinne Moraes está ótima no papel da Janaína,
que parece representar o papel de mulheres interesseiras que gostam de dar em
cima de algum famoso para tentar se dar bem. Ela aqui foi condensada na figura
de outras mulheres com quem Tim se relacionou ao longo da vida.
O filme
ainda conta com ótimas participações de rostos conhecidos de novelas globais
que sabem como aproveitar os tempos de presença de cada um na trama. Destaque
para George Saruma representando Roberto, com uma interpretação dos seus
maneirismos que às vezes beira ao caricato, parecendo representar o cantor para
um quadro de humor. Uma cena marcante é quando o personagem destrata Tim Maia no
seu camarim. Luís Lobianco faz uma representação excelente do Carlos Imperial (1935-1992),
importante comunicador dos primórdios da TV com aquele seu perfil malandro.
Também vale mencionar as participações de Laila Zaid como Susi, amiga porra-louca
da Janaina; Nando Cunha, no papel de Manuel Jacinto Coelho (1903-1991), imponente
líder espiritual da seita dos Racionais na qual Tim Maia, cometendo a maior
escorregada da sua vida; Edson Cardoso, o ex-dançarino do conjunto musical de axé É o Tchan!, popularmente conhecido como Jacaré, representa um segurança
que barra Tim Maia em um show de Roberto Carlos. Também merecem destaque as
participações internacionais de atores americanos que aparecem na passagem de
Tim pelos EUA, dentre outros.
Quando Tim Maia faleceu, eu tenho de confessar nessa
época conhecia pouco ou mesmo quase nada a respeito do seu nível de sua importância
para a música brasileira; eu era só um garotinho de apenas 12 anos. No entanto,
lembro da cobertura que a imprensa fez de sua última internação e da comoção
causada por sua morte.
Na época do seu falecimento, ele já não
figurava mais tanto como o artista mais lucrativo, como acontecera décadas
antes; já não tinha mais suas músicas ocupando as paradas de sucesso das rádios
brasileiras nem era visto se apresentando com frequência nos populares
programas de auditório da TV. Um dos motivos envolvia o fato de que
naturalmente, para a geração jovem do final dos anos 1990, ele já figurava como
um artista sinônimo de “brega”, ou, no dizer da gíria jovem atual, cringe.
Naquele contexto do final do século 20 em que
sequer sonhávamos em ouvir música facilmente pelas mídias digitais como Youtube
e Sportfy, essa era uma quase realidade distante de ficção cientifica. Nós
ainda ouvíamos pelas mídias físicas, o pequeno Compact Disc (CD), foi quem
passou a substituir o grande Long Play (LP), também chamado por vinil ou
popularmente aqui no Brasil de bolacha, que foi extinto do mercado na época.
Ainda existiam as pequenas fitas K7, mais acessível às camadas populares.
Os estilos musicais que simbolizavam o modismo para
essa geração do final dos anos 1990 eram: a axé music, o sertanejo e o pagode,
gêneros que atraíam o gosto popular, cujos artistas de cada um desses gêneros figuravam
segundo o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) como os mais lucrativos para o mercado fonográfico
brasileiro na época. Do mesmo modo que também havia os jovens que se
aventuravam a curtir mais o estilo underground
dos sons experimentais da onda pop/rock do Skank, Jota Quest, Raimundos, Pato
Fu, Charlie Brown Jr., que conquistaram seu espaço no mercado fonográfico brasileiro graças à influência da MTV Brasil, que
simbolizava muito a cara jovem.
Como se vê, a concorrência na época era grande
e fez Tim Maia perder seu espaço, tanto que os últimos álbuns que ele lançou de
forma independente, com sua própria gravadora, a Vitória Regia, figuraram entre
os que mais tiveram vendas baixas. Como se isso não fosse o bastante, em
consequência da sua personalidade explosiva, já era apresentado naquele momento
como uma persona non grata no showbusiness nacional. Ele já se encontrava com a sua reputação
manchada por ter brigado com Deus e o mundo, como ele mesmo descreve numa cena
do filme. Criou desafetos com as gravadoras, com os empresários que já o haviam
agenciado e estes se sentiam lesados pelo não cumprimento dos compromissos,
moveram uma onda processos na justiça contra ele. Também criou desafetos com
músicos que perderam a paciência com ele sempre pedindo para parar de executar
uma canção, por viver reclamando do som ou mesmo da falta de retorno no áudio ao acompanhá-lo nos
seus shows e ensaios. E, para piorar sua situação, ele ainda enfrentou
problemas com a Receita Federal por não ter declarado seus impostos. Isso tudo o
levou à falência. Tanto que ele chegou ao fundo do poço; meses antes dessa sua
última apresentação, durante as festividades do Réveillon de 1997, recebeu da
justiça uma ordem de confisco do seu imóvel e dos seus bens, em consequência das
dívidas acumuladas até aquele momento.
Isso sem falar que a própria saúde dele também
já se encontrava bastante fragilizada,
em consequência do seu estilo desregrado de viver. Com 55 anos e pesando 142 Kg,
Tim Maia estava sentindo os efeitos da cobrança que os excessos alimentares, misturado
com as bebidas e com drogas nas noitadas que costumava promover em sua casa, representaram
para ele naquele momento um fim melancólico da sua potente voz.
Como diz o velho ditado: “Morre o artista, mas
sua obra fica”. E as canções de Tim Maia serão lembradas para sempre.