quarta-feira, 28 de setembro de 2022

80 ANOS DE TIM MAIA

 



No dia 29 de setembro de 1942, nascia no Rio de Janeiro, no dia de São Sebastião, Sebastião Rodrigues Maia, mais conhecido como Tim Maia. Para lembrar a data em que ele completaria 80 anos, comentarei sua cinebiografia.




No filme Tim Maia (Brasil, 2014), somos apresentados às diferentes fases da vida do Tim (Robson Nunes jovem e Babu Santana na maturidade) da sua infância na Tijuca, ajudando sua grande família a entregar marmita. Tim Maia era penúltimo da numerosa prole dos 20 filhos de Altino Maia e Maria Imaculada Maia. Era chamado de Tião Marmita, apelido que detestava.




 Nessa passagem inicial do filme é mostrado como ele desde criança já tinha adquirido o aspecto físico bem rechonchudo, ainda mais quando era mandado a ajudar a família entregando marmitas, e por assumir essa função terminava aproveitando para comer às escondidas a comida dos clientes. Também ganha destaque sua formação escolar em um colégio católico.

No decorrer da passagem do tempo, o filme vai mostrando um Tim Maia mais crescido e com o aspecto físico mais roliço no final da década de 1950, sonhando alto com sua carreira musical.  Foi graças a um padre da escola onde estudava que ele conseguiu adquirir seu primeiro instrumento. Também é nessa fase da vida dele que realiza suas primeiras tentativas de conseguir viver sua tão sonhada carreira musical, formando duas diferentes bandas.





Nessa época também é mostrado como foi o relacionamento dele com duas importantes figuras da música brasileira, Roberto Carlos (George Saruma) e Erasmo Carlos (Tito Navile), e o pioneirismo da Jovem Guarda, um importante movimento musical surgido nessa época influenciado pelo rock americano. Também o mostra formando junto com esses dois amigos a banda The Sputniks. O cenário da época certamente deve trazer um pouco de nostalgia aos que tem mais de 50 anos. Esse é também o momento em que Tim Maia vivencia sua primeira tentativa de se lançar como cantor no programa de auditório do famoso apresentador de TV Carlos Imperial (Luís Lobianco), que, naqueles primórdios da televisão, com a extinta TV Tupi (1950-1980), poderia ser comparado a comunicadores como Faustão e outros do gênero.

É também nessa fase de sua juventude Tim Maia apresenta os primeiros traços de sua personalidade intempestiva, que se tornaria a grande responsável por, em diferentes momentos da sua vida, queimar sua carreira na música.

                    Com o desenrolar da história, é mostrado o Tim Maia se aventurando nos EUA, graças a um contato do colégio de padres, consegue uma hospedagem numa família. Em contato com o povo marginalizado das ruas do Brooklin, conheceu a influência musical do Soul, ritmo que adotaria quando retornasse ao Brasil. Antes disso, vai mostrando a sua experiência de malandragem em terras americanas, ao se envolver numa treta com alguns marginais que faziam furtos e cometiam outros tipos de desobediência à lei. Essa sua grande mancada na terra do Tio Sam seria responsável por sua prisão e deportação para o Brasil.






No momento em que retorna ao Brasil, descobre como a carreira musical de seus antigos parceiros dos Sputniks, Roberto Carlos e Erasmo Carlos, eles estavam se tornando grandes mercadorias lucrativas para muitas gravadoras brasileiras, no auge da Jovem Guarda. Nessa época, Tim Maia precisou penar para conseguir virar o cantor que se tornaria futuramente. Mais para frente, o filme mostra o cantor já bem estabelecido mercadologicamente, havendo inclusive uma forte sacralização em torno dele.




É no cenário da fase dourada que foi nos anos 1970 que o filme mostra detalhes curiosos dos bastidores das canções que ele gravou. Além disso, mostra um pouco da sua relação amorosa com Janaína (Alinne Moraes). Interessante perceber nessa época, como, na mesma medida e proporção, ele conseguiu grandes sucessos, como também grandes fracassos, sua vida bem porra-louca nas festas onde bebia e se drogava excessivamente e envolvido nos episódios controversos. Um desses momento foi quando inventou de aderir à seita religiosa dos Racionais, comandada por Manuel Jacinto Coelho (Nando Cunha), onde terminou tentando doutrinar seus fãs gravando um álbum que lhe custou sua carreira. Isso sem falar no seu perfil irascível, que o fez entrar em sérios conflitos com gravadoras, somados ao afastamento de alguns de seus amigos, de sua amada. Sua genialidade musical contrastava demais com sua personalidade difícil que o levava a viver um estilo de vida um tanto controverso.

O filme contou com a direção de Mauro Lima, também encarregado de escrever o roteiro em conjunto com Antônia Pellegrino, cuja base foi a biografia Vale Tudo: o som e a fúria de Tim Maia, publicado em 2007, escrito pelo jornalista e produtor musical Nelson Motta.  Pelo que pude constatar do filme sobre a vida do cantor Tim Maia, ele procura esmiuçar ao máximo possível todos os diferentes momentos da sua carreira: da ascensão e queda, passando por fases bem controversas, também mostrando seu talento musical, contrastando com o ser humano cheio de muitos defeitos como qualquer pessoa comum. Ou seja, são as várias faces de um mesmo Tim Maia, ainda que com algumas licenças poéticas, para poder seguir algumas convenções narrativas para fins dramatúrgicos.




Assim, houve alguns momentos que acabaram ficando de fora do filme, logicamente para o filme não ficar muito cansativo. Inclusive, senti falta de alguns detalhes de sua vida íntima na representação da figura paterna com os filhos Leo e Carmelo Maia.  Assim como também não chegaram explorar suas outras amizades e parcerias musicais com cantores como Jorge Ben Jor, Gal Costa, Sandra de Sá ou mesmo outros episódios bem controversos de algumas malandragens que lhes custaram muitas dívidas.




Enfim, o que posso definir do filme biográfico sobre Tim Maia, é que ele é excelente para se conhecer um pouco melhor do nosso contexto musical, sobretudo pra gente valorizar mais a cultura brasileira. O filme apresenta um excelente trabalho no design de produção com uma estética retrô com a fotografia, cenografias e belíssimos figurinos que reconstituem bem cada momento histórico do cenário musical vivenciado pelo Tim. Tudo impecável.

Passando pela sua infância e começo da juventude, durante os anos 1950, adentrando pelos anos 1960, após sua passagem em solo americano, e retornando deportado ao Brasil, após estourar com a Soul music, nos anos 1970, e cair no fundo do poço; e após retomar ao sucesso até chegar ao final dos anos 1990, já muito debilitado pelos excessos da vida que o levaram a passar mal no seu último show, em 08 de março de 1998, e falecer dias depois. Tudo isso criando todo um clima de nostalgia para quem conheceu muitas das suas diferentes fases tão bem reconstituídas no filme.

O elenco do filme é incrível, com destaque para Robson Nunes e Babu Santana, que estão perfeitos encarnando o papel do cantor em diferentes momentos da vida.





Robson Nunes está excelente apresentando um Tim Maia mais jovem sonhando alto com sua carreira artística e tendo uma forte ligação com o Roberto Carlos e já mostrando os primeiros sinais da sua personalidade explosiva. Babu Santana está perfeito no papel do Tim Maia mais maduro e com a carreira musical estabelecida. Sua perfeita empostação de voz o deixa quase idêntico ao cantor.

É curioso imaginar que os dois artistas que encarnam com perfeição no filme um Tim Maia com idades tão diferentes, o primeiro bem adolescente e o segundo um homem com mais de 30 anos; na vida real, têm uma diferença de idade de apenas três anos. Destaco ainda a excelente interpretação de outros atores que são rostos bem conhecidos do grande público, o galã global Cauã Reymond é um deles, que está brilhante no papel do cantor Fábio. Aliás, é esse personagem quem assume a função de ser o fio condutor da história ao fazer a narrativa em off na segunda pessoa. Alinne Moraes está ótima no papel da Janaína, que parece representar o papel de mulheres interesseiras que gostam de dar em cima de algum famoso para tentar se dar bem. Ela aqui foi condensada na figura de outras mulheres com quem Tim se relacionou ao longo da vida.




 O filme ainda conta com ótimas participações de rostos conhecidos de novelas globais que sabem como aproveitar os tempos de presença de cada um na trama. Destaque para George Saruma representando Roberto, com uma interpretação dos seus maneirismos que às vezes beira ao caricato, parecendo representar o cantor para um quadro de humor. Uma cena marcante é quando o personagem destrata Tim Maia no seu camarim. Luís Lobianco faz uma representação excelente do Carlos Imperial (1935-1992), importante comunicador dos primórdios da TV com aquele seu perfil malandro. Também vale mencionar as participações de Laila Zaid como Susi, amiga porra-louca da Janaina; Nando Cunha, no papel de Manuel Jacinto Coelho (1903-1991), imponente líder espiritual da seita dos Racionais na qual Tim Maia, cometendo a maior escorregada da sua vida; Edson Cardoso, o ex-dançarino do conjunto musical de axé É o Tchan!, popularmente conhecido como Jacaré, representa um segurança que barra Tim Maia em um show de Roberto Carlos. Também merecem destaque as participações internacionais de atores americanos que aparecem na passagem de Tim pelos EUA, dentre outros.

Quando Tim Maia faleceu, eu tenho de confessar nessa época conhecia pouco ou mesmo quase nada a respeito do seu nível de sua importância para a música brasileira; eu era só um garotinho de apenas 12 anos. No entanto, lembro da cobertura que a imprensa fez de sua última internação e da comoção causada por sua morte.





Na época do seu falecimento, ele já não figurava mais tanto como o artista mais lucrativo, como acontecera décadas antes; já não tinha mais suas músicas ocupando as paradas de sucesso das rádios brasileiras nem era visto se apresentando com frequência nos populares programas de auditório da TV. Um dos motivos envolvia o fato de que naturalmente, para a geração jovem do final dos anos 1990, ele já figurava como um artista sinônimo de “brega”, ou, no dizer da gíria jovem atual, cringe.

Naquele contexto do final do século 20 em que sequer sonhávamos em ouvir música facilmente pelas mídias digitais como Youtube e Sportfy, essa era uma quase realidade distante de ficção cientifica. Nós ainda ouvíamos pelas mídias físicas, o pequeno Compact Disc (CD), foi quem passou a substituir o grande Long Play (LP), também chamado por vinil ou popularmente aqui no Brasil de bolacha, que foi extinto do mercado na época. Ainda existiam as pequenas fitas K7, mais acessível às camadas populares.






Os estilos musicais que simbolizavam o modismo para essa geração do final dos anos 1990 eram: a axé music, o sertanejo e o pagode, gêneros que atraíam o gosto popular, cujos artistas de cada um desses gêneros figuravam segundo o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) como os mais lucrativos para o mercado fonográfico brasileiro na época. Do mesmo modo que também havia os jovens que se aventuravam a curtir mais o estilo underground dos sons experimentais da onda pop/rock do Skank, Jota Quest, Raimundos, Pato Fu, Charlie Brown Jr., que conquistaram seu espaço no mercado fonográfico brasileiro graças à influência da MTV Brasil, que simbolizava muito a cara jovem.




Como se vê, a concorrência na época era grande e fez Tim Maia perder seu espaço, tanto que os últimos álbuns que ele lançou de forma independente, com sua própria gravadora, a Vitória Regia, figuraram entre os que mais tiveram vendas baixas. Como se isso não fosse o bastante, em consequência da sua personalidade explosiva, já era apresentado naquele momento como uma persona non grata no showbusiness nacional.  Ele já se encontrava com a sua reputação manchada por ter brigado com Deus e o mundo, como ele mesmo descreve numa cena do filme. Criou desafetos com as gravadoras, com os empresários que já o haviam agenciado e estes se sentiam lesados pelo não cumprimento dos compromissos, moveram uma onda processos na justiça contra ele. Também criou desafetos com músicos que perderam a paciência com ele sempre pedindo para parar de executar uma canção, por viver reclamando do som ou mesmo da falta de retorno no áudio ao acompanhá-lo nos seus shows e ensaios. E, para piorar sua situação, ele ainda enfrentou problemas com a Receita Federal por não ter declarado seus impostos. Isso tudo o levou à falência. Tanto que ele chegou ao fundo do poço; meses antes dessa sua última apresentação, durante as festividades do Réveillon de 1997, recebeu da justiça uma ordem de confisco do seu imóvel e dos seus bens, em consequência das dívidas acumuladas até aquele momento.




Isso sem falar que a própria saúde dele também já se encontrava bastante fragilizada, em consequência do seu estilo desregrado de viver. Com 55 anos e pesando 142 Kg, Tim Maia estava sentindo os efeitos da cobrança que os excessos alimentares, misturado com as bebidas e com drogas nas noitadas que costumava promover em sua casa, representaram para ele naquele momento um fim melancólico da sua potente voz.

Como diz o velho ditado: “Morre o artista, mas sua obra fica”. E as canções de Tim Maia serão lembradas para sempre.