domingo, 17 de abril de 2022

O PIOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO: NÃO VAI TER GOLPE!

Para compreender o cenário do Brasil atual, é preciso compreender o que levou grupos de extrema direita da MBL(Movimento Brasil Livre) a comandar o país  trazendo Bolsonaro ao poder  só mesmo vendo esse documentário Não Vai Ter Golpe!(Brasil,2019) e ter muito estômago para ver até o fim para ouvir os argumentos absurdos desse povo.  Realizado pelos próprios articuladores do movimento que fez Dilma Roussef sofrer o Impeachment em 2016. Contando com a direção de Fred Rauh e Alexandre Santos, que assinam também o roteiro e produção de Gabriel Sândalo.




O teor da estética desse documentário tendencioso, puxando a sardinha para eles mesmo sendo moldado com um perfil heroico é tão absurdo de puro mau gosto, que faz a obra ir para um nível de breguice, de tão cafona que a obra se  mostra quando  eles apelam  para o humor, nem falo. Principalmente quando mostra artistas como Danilo Gentilli ou mesmo Lobão participando dos comícios dando seu apoio e os depoimentos de Kim Kataguiri e de Artur do Val, o Mamãe Falei é de incomodar demais, vistos que recentemente ele protagonizaram as polêmicas envolvendo declarações preconceituosas sobre nazismo misoginia com as ucranianas.  Tinha horas que me dava vontade de rir, mas de nervoso com tamanho mau gosto  que essa obra apresenta.




 Tem disponível no Amazon Prime Vídeo.  Só assista se for a nível de curiosidade e se tiver  disposto a digerir e não levar a sério a visão tendenciosa desse documentário com ideais direitistas.

sábado, 2 de abril de 2022

RESENHA DA SÉRIE DA AMAZON NOSSO JEITO DE SER(2022)

 

COMO SERIAM JOVENS AUTISTAS DIVIDIREM O MESMO TETO?

 

A abordagem do autismo nunca tinha sido tão explorado quanto antes,  e a prova disso está na série que vou comentar aqui em homenagem a data do dia   02 de Abril, onde é comemorado o Dia Mundial  da Conscientização do Autismo. Trata-se de  Nosso Jeito de Ser(As We See It, EUA, 2022) da Amazon Prime Vídeo.





A série conta a  história de um trio de jovens autistas formado por Jack(Rick Glassman), Violet(Sue Ann Pien) e Harrison(Albert Rutecki), que são companheiros de quarto, dividem um apartamento e são orientados pela Mandy(Sosie Bacon), a cuidadora contratada pelas famílias dos três.




Cada um deles apresenta suas particularidades, Jack é o  que se mostra mais retraído do trio, e as vezes tem um temperamento explosivo, e irritadiço,   trabalha como web designer para uma livraria, onde lida com um chefe muito casca-grossa como Austin(Robby Clater).






 Cuja reação irascível  faz ele  explodir e ser demitido, mais depois é readmitido. É muito metódico, tem dificuldades de demonstrar suas emoções. Ainda mais num momento delicado em que ele sendo  órfão de mãe, é criado pelo seu pai Lou Hoffman(Joe Mantegna) que anda com a saúde delicada por conta do câncer, o que deixa Jack preocupado quanto a ele morrer a qualquer momento sem ter conquistado sua independência financeira. E justo nesse momento que ele conhece no hospital a enfermeira Ewatomi(Délé Ogundiram), com quem ele tem uma aproximação e o começo de uma relação amorosa.




Já Violet é de temperamento mais esfuziante, trabalha como atendente de um fast food. Sonha em querer namorar, mas é impedida pelo seu irmão Van(Chris Pang), o único familiar que cuida dela, já que ela é órfã. Que vive  controlando  os aplicativos do  relacionamento do seu celular. Violet chega a ter  um caso com um sujeito que ela conhece do trabalho, que a decepciona e ela reagindo com um piti dentro da lanchonete acaba sendo demitida.







Quanto ao Harrison, cuja característica é ainda de um rapaz imaturo  que não consegue se expor na rua, tem seus medos, suas manias,  desse trio ele é o único que não tem emprego, porém,  vem de  uma  base  familiar que  não é tão disfuncional quanto a de Jack e Violet. Cujos pais,  inclusive,  são muito ricos e  moram numa mansão. Poderia descrever, que desses três ele é o único privilegiado por ter uma base familiar sólida, coisa que os pobres coitados do Jack e da Violet não apresentam.






Porém, eu estaria sendo hipócrita de descrever dessa maneira, mesmo porque o Harrison não recebe tão constantemente a visita dos pais na sua residência  como ocorre com Jack que recebe a visita do pai e da Violet do seu irmão. Aliás só conhecemos  a família do Harrison lá pela metade da série  quando ele acompanhado da Mandy visita a mansão da sua família  e conhecemos também sua irmã.

Fora que também o Harisson lida com o preconceito capacitista e autistofóbico  ocasionado pela sua vizinha, mãe de um menino chamado A.J(Adam James Carrillo), que o impede de interagir a ponto de chamar a polícia.  Seria o mesmo que pensar que se o Harrison fosse preto, mesmo sendo rico, mascaria o racismo que ele pudesse sofrer.





A série é uma produção de Jason Katims, que mescla comédia com drama, contendo 8 episódios, baseada na série israelense On The Spectrum(Israel, 2018).

Com o elenco contando com o trio protagonista formado por autistas de verdade. Com Rick Glassman como Jack, Sue Ann Pien como Violet e Albert Ruteck como Harrisson,  em cena eles mostram um bom entrosamento e uma ótima química para representar o drama de seus personagens de uma forma bastante verossímil e realista, onde cada um aqui ao lidar ao seu modo  com superações típicas do espectro procuram enfrentar como a introversão por exemplo, a forma como eles retratam  não fica parecendo uma tentativa piega  de  parecer um engessamento de perfil heroico para eles criarem uma romantização sobre o autismo. Aqui eles não apresentam uma unidimensionalidade rasa, também tem suas outras camadas envolvendo os complexos dramas adultos.  Houve um momento em que dos três,  a Violet foi a que mais me preocupou inicialmente, pelo fato de que como era a única representação feminina do trio e tinha momentos que ela  demonstrava uma típica visão meio conto de fadas de querer encontrar um príncipe encantado e falando abertamente  do seu desejo sexual, aquilo chegou a me fazer parecer uma forçação de barra que poderia fazer ela cair na caricatura do  estereótipo racista da objetificação erótica da mulher oriental.  Porém, a maneira como sua interprete  Sue Nan Pien defendeu   foi me surpreendendo e evoluindo ao longo dos episódios após um lance que teve com um sujeito do trabalho, que a decepcionou após ela transar com ele. Do mesmo jeito que Rick Glassman como  o Jack e Albert Ruteck como  o Harrison foram também aos poucos evoluindo e mostrando suas outras camadas, principalmente ao lidarem cada um com a afetividade amorosa e desejo sexual.  





 Mesmo porque  é preciso levar em conta que no autismo mesmo há graus variados de dificuldades motoras, intelectuais e de comunicação. Onde de todo jeito o indivíduo sempre vai ser visto de uma forma banal e discriminatória  pela sociedade. Principalmente se o seu comportamento mesmo depois de adulto ser visto como eternamente  infantilizado de um sujeito assexuado, ingênuo e puro como um anjo azul. 




Porém, ignora-se a realidade crua e  mundana  que existem autistas que vivem em lares familiares disfuncionais e outros em família humildades que não tem condições de pagar tratamentos terapêuticos alternativos para seus filhos conseguirem evoluir. Dentro dos limites deles lógico. E esses tendem a caírem no caminho perigoso da criminalidade, quando você acha  que não, eu vi o noticiário de um menino autista de 10 anos que quase cometeu suicídio com tanta medicação que tomou por não aguentar o bullying na escola. Isto é muito preocupante.  Ou mesmo do menino autista assassinado pela mãe.





Além do trio protagonista, outros atores que compõe o núcleo de apoio e de grande importância para  os arcos narrativos de cada um do trio protagonista. Mostrando também outras camadas, que também não são unidimensionais. Joe Mantegna, famoso por fazer comédias, já tinha assistido criança na telona  ele fazendo o ladrão que sequestra um bebê em Ninguém Segura Este Bebê(Baby´s Day Out, EUA, 1994), na série defende brilhantemente o papel do Lou, homem viúvo, pai do Jack, sujeito que o tempo todo fica preocupado com ele, principalmente ao lidar com seu comportamento muito centrado demais, correto demais  ou muito irritadiço e como procura ser compreensivo, mesmo quando tem gente  da sua  própria família que o crítica por ele não saber como educa-lo. A forma como ele pincela o papel, em nenhum momento procura criar uma representação heroica de romantizar a figura que gente de fora cria muito da família dos autistas  de um pai guerreiro,   muito presente na vida do seu filho com necessidades especiais, que não abandona tal. Mas ele também mostra que como qualquer ser humano, vive  esgotado da vida, principalmente ao lidar com o drama da sua frágil saúde. O que deixa Jack desesperado, já que não consegue imaginar como vai ser lidar quando ele partir e não conquistar sua independência financeira. Além de Joe Mantegna, destaco também Chris Pang, representando o Van, irmão mais velho da Violet. O seu desempenho no papel é  admirável, principalmente na forma como ele pincela a figura de um irmão mais velho  que assume o grande desafio de ser a figura  paterna  e materna  da ingênua da Violet, depois de ambos ficarem órfãos e ele ficou encarregado de ser o tutor dela. Cuja relação nem sempre é perfeita, já que a maneira como ele a exageradamente a superprotege, principalmente em proibir os aplicativos de namoro dela,  faz ele as vezes parecer um babaca. Ele também não o apresenta com uma característica unidimensional, com um elogiado perfil heroico  que se espera de todo irmão mais velho. Mostra  também como ás vezes, ele vive esgotado emocionalmente em procurar   amenizar a barra da Violet, a ponto daquilo até afetar a sua relação amorosa com Selena(Vela Lovell), com quem ele namora no começo da história e ela resolve terminar com ele depois que a Violet compartilhou com ela um segredinho do encontro que ele marcou com um namorado para ter sua primeira transa. O que o deixa em desespero, já que outras mulheres com quem Van já namorou terminaram o relacionamento, justamente por conta da situação barra pesada que ele precisava lidar com a Violet. E nesse desespero todo, ele termina se envolvendo amorosamente com a Mandy, a cuidadora contratada pelas famílias do trio para servir como orientadora deles no apartamento onde dividem juntos.  A Mandy foi muito bem defendida pela Sosie Bacon, cujo desempenho no papel é elogiável. Principalmente em defender o papel de uma mulher que lida  com a difícil missão de orientar os três  jovens inexperientes da vida que vão dividir o mesmo teto das quais as família de cada um as contratou para isso, que carregam o estigma do espectro que é o autismo, uma característica invisível. Que não tem cara, mas mesmo assim  a hipócrita sociedade neurotipica fecha os olhos para a vida banal que o autista sofre. Algo no nível A Vida Como Ela é..., mas não no sentido rodrigueano.  




Ao mesmo tempo que Mandy  precisa lidar com os problemas pessoais com o seu marido que a vê pouco e entra num dilema de ao ser aprovada para ingressar numa faculdade se abandona ou não o trio. Apesar dela não figurar como a protagonista, ainda assim, ela assumi bem a função do arco narrativo  deles  ser uma fio condutora do telespectador ao transitar entre diversos personagens da série, não só entre o trio protagonista, mas também quando individualmente conversa com cada familiar e é com ela que conhecemos a família do Harrison.




A maneira como a série retrata o modo de vida social desse trio de jovens autistas dividindo o mesmo teto. Pode parecer para nós autistas brasileiros, um retrato fora da realidade, principalmente para os que assim  como eu que tenho Transtorno do Espectro Autista ainda moram na casa dos pais. Uma quase utopia.

Porém, dentro da realidade estadunidense isto é bastante verossímil, porque lá eles já tem esse hábito de dividirem casas para alugar, para terem com quem dividir os custos com gente que aceitem serem   seus inquilinos. Uma solução  que tem suas vantagens e desvantagens, principalmente nas dores de cabeça deles arrumarem como inquilinos gente de  mau caráter como os psicopatas apresentados na minissérie documental da Netflix Moradores Indesejados (Worst Roomate Ever, EUA, 2022). Desses vermes eu não tenho a menor pena.




Fora que o trio protagonista de jovens autista  também representam uma típica característica verossímil do costume familiar  estadunidense, ainda que não seja mostrado na série  de quando os  filhos vão crescendo, eles saem de casa e vão construindo suas próprias vidas sem a família presente. E o Harrison é o que mais simboliza essa característica, visto que sua família aparece pouco na série.




Digo isso pela própria experiência de quando eu hospedei há muitos anos  uma intercambista americana, estudante de Medicina na Universidade de Yale, que veio para estudar autismo. Onde seu campus não ficava localizado em sua cidade natal que era Chicago, onde lá ela dividia o dormitório com uma colega de quarto.




Mais ou menos para vocês entenderem o retrato que a série apresenta do trio protagonista de jovens autistas tem verossimilhança com a realidade do modo de vida social dos EUA. Coisa que aqui no Brasil não temos.

Acredito que se essa série fosse produzida no Brasil, com certeza muitas famílias de autistas que dirigem instituições que prestam auxílios pedagógicos alternativo aos autistas se indignariam, a ponto de acusarem essa produção de prestar um desserviço a causa ao    romantizar a representatividade do autista.

Principalmente por eles apresentarem o trio lidando com as  complexas abordagens sobre desejos sexuais e afetividades amorosas. Temáticas que já são tabus, mesmo para neurotípicos, imagine para o autista, cuja imagem assimilada ao estereótipo  dele  ser um indivíduo  de comportamento infantilóide já causa preconceito por acharem que isso é culpa da péssima educação familiar, e somados a sua  dificuldade de interação social e de comunicação, ás vezes quando se comunica usa de um vocabulário restrito com assuntos de seu interesse, aquilo   dá impressão dele ser visto como um sujeito ingênuo e  assexuado  o  que  já ocorreu quando uma novela da Globo  chamada Amor à Vida(Brasil, 2013-2014) causou ao mostrar uma jovem autista chamada Linda(Bruna Linzmayer) namorando e beijando um rapaz neurotípico que a pede em casamento. Isso gerou tamanha revolta entre muitos grupos de mães de autistas  aqui do Brasil que dirigem instituições respeitadas, por acharem aquilo muito fora da realidade e gerou uma repercussão negativa. Motivado justamente pela visão sociocultural aqui ainda ser muito conservadora cristã. Imagine se esse autista se descobrisse  um  LGBTQIA+ e resolvesse  fazer  uma cirurgia de mudança de sexo,  como ocorreu com um rapaz autista que conheço pelo Facebook que virou transsexual, e adotou um nome feminino. E ele não é um único caso, tenho  uma amiga fonoaudióloga que atende um autista que virou transsexual e que me compartilha como foi o processo psicológico dele se aceitar no novo corpo e de como as pessoas que o conheciam rapaz, se acostumarem com ele mulher, ela mesma confessa que demora a se acostumar a isso.

O que posso concluir de tudo isso  é o seguinte, o autismo ainda é visto como um grande tabu social, mesmo que hoje ajam meios de como se informar para conseguir um diagnóstico. Porém, diante de muitos fatores complexos que envolvem as diferentes camadas do espectro  é preciso tomar certos cuidados em relação a  rótulos ou mesmo a pré-julgamentos sobre os comportamentos sociais que eles tem.

Não podemos confundir o autista ter um repertório de interesse restrito na comunicação, com alguém com transtorno obsessivo compulsivo, ou com um cara stalker. Do mesmo jeito que não podemos confundir o fato do autista com suas características dificuldades de socialização, de que ele por não namorar é um sujeito assexuado. Mesmo porque até mesmo pessoas assexuadas se casam e tem filhos.

E nunca em hipótese alguma, podemos confundir o autista como pessoa supergênio, como nerd e principalmente como uma eterna criança ingênua que é um ser cheio de pureza.

Nenhuma dessas  rotulações ao autista vão mascarar o preconceito capacitista e a discriminação  autistofóbica sobre ele.

Termino aqui com um trecho de um poema de minha autoria que me descreve bem como é a minha sensação quanto ao meu espectro.

Eu sou autista?

Sou sim senhor,

Mas não sou nenhum santo, sou como qualquer pessoa dita normal, um sujeito cheio de virtudes e de defeitos. Sou um cara muito amoroso com quem gosto, ao mesmo tempo que sou grosseiro com quem vive me estressando. Me incomoda as vezes as constantes romantizações  sensacionalistas que fazem a respeito do meu espectro, principalmente quando sai  notícias de sites sobre a superação de alguém no espectro se saindo bem sucedido, numa faculdade ou mesmo no trabalho dentre outros exemplos para nos tornar espelhos para os outros. Para mim fica a falsa sensação de mitificação, como se nós fossemos os seres mais puros do mundo. O que para mim não diz respeito em nada.

 

 

“Eu sou autista?

Sou sim senhor,

Mas não me considero a pessoa mais insociável pela descrição estereotipada que me muita gente desses profissionais que trabalham com autismo tanto batem na tecla. 

 

Sou autista?

Sou sim senhor,

Diante de tudo isso que descrevi, posso concluir dizendo que o fato de eu ter o meu espectro, posso descrever simplesmente:

Eu sou autista.... mas não sou vira-lata.”