terça-feira, 26 de novembro de 2024

UMA FAMÍLA BRASILEIRA DESTRUIDA PELA DITADURA

 

Na noite de sexta-feira, feriado da Proclamação da República, fui conferir ao tão comentado filme nacional Ainda Estou Aqui(Brasil, 2024).

Com  a sala lotada, onde quando fui comprar meu ingresso na bilheteria  só tinha uma  cadeira vaga.

E na entrada enfrentei uma fila quilométrica onde quando entrei estava passando os trailers e no final teve o aplauso da plateia.

O tão comentado filme trata-se de contar a história real da família Paiva, cujo patriarca o engenheiro civil e ex-deputado federal Rubens Paiva(1929-1971), que foi preso durante a Ditadura Militar e por muito tempo o seu paradeiro permaneceu como  desaparecido, até que por insistência da família, eles tomaram conhecimento tardio  de que ele havia morrido nos porões da ditadura, mas nunca acharam o seu corpo.




Com direção de Walter Salles, cujo roteiro teve  como inspiração no livro homônimo de não-ficção e autobiográfico  escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva onde quem adaptou foram Murilo Hauser e Heitor Lorega.

A sua trama conta a jornada da família Paiva em três diferentes linhas temporais ao longo da narrativa.

 Primeiramente começa  mostrando eles vivendo uma vida rotineira comum no Rio de Janeiro no começo dos anos 1970, em pleno período dos anos de chumbo da Ditadura Militar no Brasil.

Nesse primeiro momento onde o filme apresenta a família constituída pelo patriarca Rubens Paiva (Selton Mello), a matriarca Eunice Paiva(Fernanda Torres) e os cinco filhos do casal formado pelas quatros meninas: Vera, Eliana, Nalu, Maria Beatriz e o único menino Marcelo que é o autor do livro que inspirou esse filme.





Retratando o seu modo de vida tipicamente carioca  de frequentar a praia de Copacabana, onde eles costumavam irem se deslocar a pé porque onde eles moravam bem esquina da praia.

Cujo padrão de vida era bem confortável, não eram nem tão ricos, nem tão pobres.

Graças a bem consolidada carreira de Rubens como engenheiro civil, aqui nesse contexto fica bem subentendido  que ele teve seu mandato de deputado cassado após o Golpe Militar.

O enredo vai apresentando a Família Paiva, recebendo visitas de amigos como:  Baby Bocaiuva(Dan Stulbach) o colega de Rubens em seu escritório de engenharia, o jornalista Félix(Humberto Carrão) dentre outros.





Mostra também eles recebendo uma correspondência de uma das filhas Vera  que foi passar uma temporada em Londres.

Até ai, a vida deles era muito alegre, a partir do momento que surge uns homens à paisana que são agentes do governo que mandam prender Rubens Paiva. O sossego da família vai virar um verdadeiro inferno que vai perdurar por décadas.

Nisso resulta de Eunice e uma de suas filhas Eliana irem presas no DOI-CODI, lá vivem dias torturantes  até serem soltas e nisso temos o começo da jornada da família enfrentando Deus e o mundo para conseguirem obter notícias do paradeiro de Rubens, sempre em vão.





O clima de insegurança da família fazem eles decidirem se mudar para São Paulo-SP, é lá que passados 25 anos que os filhos já crescidos e Eunice construiu uma brilhante carreira acadêmica de advogada  lutando pela causa das famílias que perderam seus entes queridos  na Ditadura e lutando pela causa indígena, que acompanhamos Eunice em direção ao   cartório acompanhada dos filhos, recebendo o registro de óbito do marido que gerou uma cobertura da imprensa que ocorreu em 1996.

Num passar de 18 anos acompanhamos a Família Paiva reunida numa confraternização familiar em 2014 onde mostra Eunice, uma senhora bem idosa e com a saúde frágil assistindo a uma matéria sobre os 50 anos do Golpe, onde mostra uma citação do marido como um dos mártires dos militares.  

Período esse marcado pela investigação da Comissão da Verdade para investigar os crimes praticados pelos militares durante a Ditadura.

Essa obra soube bem  como abordar a temática sensível da Ditadura, como isso até hoje é uma ferida aberta que muita gente tenta renegar, mas que realmente foi muito opressora.

Confesso que meu entendimento como historiador  sobre esse tema  é ainda  um tanto superficial, visto porque como eu pertenço a  uma  geração que já não vivenciou tanto essa fase repressora da Ditadura, ao contrário da geração  dos meus pais que eram muito crianças quando estourou o Golpe Militar em 1964.

 Minha mãe estava com oito anos, já meu pai  era um bebê de apenas de um ano.

Quando eu nasci em 1985, o Brasil estava transitando para o fim da Ditadura para o Primeiro Governo Civil de José Sarney que foi eleito indiretamente antes das Eleições Diretas de 1989, que nos livros didáticos de História do Brasil se denominou de Nova República.

O primeiro sinal de respiro de liberdade de expressão que o Brasil estava sentindo foi quando a Globo lançou a novela Roque Santeiro(Brasil, 1985-1986) de Dias Gomes(1922-1999) que marcou esse momento importante.

A medida que fui crescendo, o que fui conhecendo sobre a Ditadura Militar no Brasil era ainda aquele item de museu do que era descrito  nos livros didáticos de Ensino Fundamental e Ensino Médio como se fosse algo distante.  

Foi na época que eu fazia a antiga  8ª Série do Ensino Fundamental que hoje equivale ao 9ª Ano do Ensino Fundamental  durante uma aula de História do Brasil que abordava sobre a Ditadura Militar, o nosso professor para nós fazer inteirar melhor sobre como a Ditadura foi realmente repressora ele usou como exemplo do humor que a gente assistia do Casseta & Planeta,Urgente(Brasil, 1992-2010) que ainda era exibido na Globo como um exemplo de que era um tipo de humor que seria impensável de ser feito naquela época onde imperava a censura aos meios de comunicação.

E por quê ele se utilizou desse exemplo?

Porque o humor do Casseta & Planeta trazia uma estética humorística  satírica, paródica, inspirado no formato jornalístico que abordava temáticas do cotidiano brasileiro, principalmente em ridicularizar a nossa política.

Bom, quando eu graduei no curso de História na UNP, isso lá por volta da segunda metade dos anos 2000. Eu convivi com um colega que era um  militar reacionário que prestou serviço ao Exército  bem na época repressora da Ditadura.  Se você mencionasse o nome Ditadura na sua frente, ele já logo reagia de forma autoritária  ainda num tom de piada que para ele não foi Ditadura.

Claro que para ele  não foi, o cretino foi bastante institucionalizado para acreditar nisso, acreditar numa postura heroica que estava defendendo o pais de uma ameaça comunista, prezando pela segurança do cidadão. Enquanto que a população civil era torturada nos porões da Ditadura.

 Ainda mais  que ele após deixar o serviço militar ainda continuou  recebendo benefícios, muitas regalias de uma gorda aposentadoria que o fez viver uma privilegiada vida confortável até morrer em 2020 por conta da Covid-19 e era um bolsonarista de marca maior.

Portanto, ele por ter sido um milico tinha motivos para ter essa postura negacionista e favorável a respeito da Ditadura Militar para ele foi um paraíso, ou melhor, uma Ditabranda.

Coisa que se você dissesse isso na frente da Família Paiva retratada no filme, eles com certeza, considerariam esse tipo de postura  uma piada de mau gosto.   

No filme em questão, o diretor soube bem como extrair esse tipo de abordagem dessa sensação desconfortável sem precisar apelar para a violência gráfica a nível sangrento.

Ele trata disso abordando pelo nível psicológico como tipo na cena onde mostra os agentes a paisana dentro da residência após a prisão de Rubens Paiva, o desconforto que é mostrando eles tentando agir de forma amigável com eles ou mesmo quando acompanhamos Eunice presa no DOI-CODI, mesmo não  mostrando cenas dela sendo torturada fisicamente, no entanto, a sensação dela perder ali dentro a noção do tempo e  a gente ouvir os gritos das pessoas sendo torturadas mostra bem o nível do horror psicológico para deixar o espectador numa sensação desconfortável mesmo. 

O trabalho do design de produção que fez uma brilhante reconstituição da estética retrô das três linhas temporais ambientadas no filme se mostrou incrível, assim como o elenco brilhante que participa desse filme.

Dentre os nomes destaco para Selton Mello que na pele do Rubens está ótimo, Fernanda Torres na pele da  Eunice jovem como mãe dos cinco filhos crianças e também já crescidos segura bem as pontas da carga dramática que essa personagem exige.

Também mencionar a participação dos atores que se revezam no papel dos filhos do casal Paiva, que na fase infantil que é onde  boa parte do filme é explorado  são representados por: Guilherme Silveira que faz o Marcelo, o menino mais peralta do cinco, Valentina Herzage que faz a Vera, a adolescente do casal que se aventura por Londres, Luiza Kosovski que faz a Eliana que convive junto com a mãe nos porões da Ditadura.  Que também contou contou com Barbara Luz na pele da Lúcia e Cora Mora como a Beatriz.

Que mais para frente são representados na fase adulta por: Maria Manoella(Vera), Marjorie Estiano(Eliana), Gabriela Carneiro da Cunha(Lúcia), Olivia Torres(Beatriz) e Antonio Saboia que representou o Marcelo, filho caçula da família Paiva que fez carreira como escritor.

Na história é mostrado ele na condição de tetraplégico em  cadeira de rodas, já que não foi explicado que aquilo foi uma consequência de  um acidente ocorrido em 1979, onde ele “Aos 20 anos de idade sofreu um acidente após saltar de uma pedra em um lago   raso, um açude barrento em um sítio à beira da Rodovia dos Bandeirantes   em Campinas,  fraturou uma  vértebra (a quinta cervical) do pescoço ao bater a cabeça no fundo do lago, ficando tetraplégico. Após tratamento de fisioterapia  e  terapia ocupacional, voltou a locomover as mãos e os braços.”

Fora as participações de Daniel Dantas que no filme representa o jornalista Raul Ryff(1911-1989) que era muito amigo da Família Paiva e mostra ele  fazendo visitas a família, Charles Fricks que representa Fernando Gasparian(1930-2006) empresário do ramo livreiro que aparece numa cena do casal Paiva visitando sua livraria e ele está acompanhado de sua esposa Dalva Gasparian(1931-2017) que foi representada por Maeve Jinkings.

Também mencionar a participação de Dan Stulbach como Baby e Humberto Carrão como Felix que são gente intima da família Paiva.

E não posso deixar de mencionar a participação de Fernanda Montenegro representando nos minutos finais do filme a Eunice Paiva já bem idosa no momento onde a narrativa se ambienta em 2014, papel defendido por sua filha Fernanda Torres.

Mesmo não verbalizando em nenhum momento, ainda  assim ela mostrou um bom desempenho nesses minutos finais onde representou magistralmente a  Eunice Paiva já numa idade avançada e com sua saúde comprometida  por conta do Alzheimer com quem ela conviveu em seus últimos anos de vida.   Até falecer  em 2018 aos 89 anos.

            A mostrando em uma  reunião familiar onde todos ficam distraidamente conversando num jardim, ela representou bem  pela expressão do olhar uma reação   assistindo na TV a matéria dedicada a recordar os 50 anos do Golpe Militar, onde aparece o nome citado entre as vitimas dos militares. Um trabalho primoroso mesmo de direção.

Num balanço geral, Ainda Estou Aqui trata-se de uma obra dramática que pode gerar desconforto, principalmente por uma abordar um tema sensível que envolve a negligência e omissão do nosso estado brasileiro em relação a violência praticada pelos seus agentes da lei em nome de um sistema totalitário que defende a moral familiar, mas que destruiu a vida de outras famílias.

Uma prática tão criminosa quanto.

Isso é algo que jamais deve ser esquecido e não deve ser repetido.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A ESPIONAGEM NA BERLIM PRÉ-QUEDA DO MURO EM ATÔMICA.

 

A espionagem sempre despertou o interesse da cultura pop, principalmente em um período como a Guerra Fria. E a obra de Atômica(Atomic Blondie, EUA, 2017) serve bem para exemplificar isso. 




Pegando  para reler a HQ Atômica, após revisitar o filme na Amazon Prime Vídeo. A HQ de Atômica, eu havia comprado na livraria Saraiva do Midway Mall, em Julho de 2019. Durante a pandemia de 2020,  quando o filme entrou no catalogo da Netflix e aproveitei para dar uma lida na HQ roteirizada por Anthony Johnson e com ilustração de Sam Hart.  




No filme, adaptado desse quadrinho, tem sua história ambientada na Alemanha do final dos anos 1980, ainda dividida pelo muro, e vivendo um clima de manifestação popular tenso em plena Guerra Fria. 





É nesse ambiente que uma agente britânica do MI6, chamada Lorraine Broughton(Charlize Theron), tem a missão de ir disfarçada a Berlim para investigar o assassinato de um oficial e recuperar a lista perdida de agentes duplos e contará com o auxílio de David Percival(James McAvoy). 




Assim como também tem a dura missão de levar um dissidente da Alemanha Oriental cruzar a fronteira do país para começar uma nova vida na Alemanha Ocidental.




Isso em pleno contexto histórico tenso Berlim em Novembro de 1989, vivendo seus momentos dias com o muro símbolo da separação entre capitalismo e comunismo. 




Tanto o filme quanto a HQ, são ótimas obras de ficção que nos fazem imergir para aquele contexto do clima político tenso que vivia Berlim no final dos anos 1980. Com aquele ambiente de cultura undergrund grungie, punk, de rock. 




Ainda mais  nesse ano de 2024, em que se completaram 35 anos da Queda do Muro de Berlim. 

No filme que adapta a HQ, que conta com a direção de David Leitch, cujo roteiro foi adaptado por Kurt Johnstad, ainda que apresente suas diferenças mantém a mesma característica  da  estética noir. 





Na HQ, as ilustrações em preto e branco mostram serem bem fluidas com os jogos de luzes e sombras, que ajudam bem a compor a atmosfera de tensão, do suspense ocasionado por essa história de espionagem.

Quanto que no filme mesmo não sendo em preto e branco, trabalhou esse clima noir  da HQ principalmente ao explorar na tonalidade em azul escuro de algumas cenas  como no primeiro momento onde somos apresentado a protagonista Lorraine saindo da banheira  peladona cheia de hematomas.   





Assim como as paletas em cores em neon casaram bem  com o clima retrô que a obra apresenta nos fazendo imergir para o contexto da Berlim do final dos anos 1980 ainda dividida pelo Muro com suas modas punks, seus bares undergroud, suas baladas, e seu clima tenso de espionagem entre a agencia alemã da Stasi Alemanha Oriental com a KGB da União Soviética.  

Onde é tocado  muito revivals de músicas pop da época, com destaque que posso citar aqui é para Father Figure, sucesso do britânico George Michael(1963-2016), que é tocada numa cena eletrizante da Lorraine em combate com agentes da KGB. 

O  seu elenco é também incrível, Charlize Theron está fantástica na pele da protagonista a  agente Lorraine Broughton em sua missão em Berlim, James McAvoy na pele do David  Percival, o agente traiçoeiro da MI6 está incrível um vira-casaca que se vendeu aos russos. 

A argelina Sofia Boutella está perfeita na pele da agente francesa Delphine Lassale, com quem Lorraine chega a manter um caso amoroso a ponto de fazer sexo, cuja cena picante são de dar muito tesão ao filme. 

Do mesmo jeito como John Goldman se mostra crível na pele do Emmett Kurzfled, um dos chefões da MI6 que interroga Lorraine em seu retorno a Londres para fazer um relatório sobre a missão frustrada dela em Berlim, cujo mote do filme é todo estruturado nos depoimentos de Lorraine, estabelecendo ela como a nossa fio condutora da narrativa. 

E não posso deixar de mencionar a participação do dinamarquês Roland Møller que no filme faz uma brilhante defesa do vilão Alesandry Breymovich, o agente da KGB, que no começo da narrativa aparece matando um agente do MI6, um sujeito que apresenta um nível brutalidade e de sociopatia que o torna a mais pura maldade em pessoa. 

Um ótimo filme que equilibra entre o fato histórico com doses de ficção sobre um período turbulento da história da humanidade. 

Também recomendo para quem ainda não leu a HQ que inspirou o filme, que leiam, ela também é tão fascinante quanto o filme, principalmente na caprichada edição capa dura preta da editora da caveira a DarkSide Books.