Na
noite de sexta-feira, feriado da Proclamação da República, fui conferir ao tão
comentado filme nacional Ainda Estou Aqui(Brasil, 2024).
Com
a sala lotada, onde quando fui comprar
meu ingresso na bilheteria só tinha uma cadeira vaga.
E
na entrada enfrentei uma fila quilométrica onde quando entrei estava passando
os trailers e no final teve o aplauso da plateia.
O
tão comentado filme trata-se de contar a história real da família Paiva, cujo
patriarca o engenheiro civil e ex-deputado federal Rubens Paiva(1929-1971), que
foi preso durante a Ditadura Militar e por muito tempo o seu paradeiro
permaneceu como desaparecido, até que por
insistência da família, eles tomaram conhecimento tardio de que ele havia morrido nos porões da
ditadura, mas nunca acharam o seu corpo.
Com
direção de Walter Salles, cujo roteiro teve
como inspiração no livro homônimo de não-ficção e autobiográfico escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho de
Rubens Paiva onde quem adaptou foram Murilo Hauser e Heitor Lorega.
A
sua trama conta a jornada da família Paiva em três diferentes linhas temporais
ao longo da narrativa.
Primeiramente começa mostrando eles vivendo uma vida rotineira
comum no Rio de Janeiro no começo dos anos 1970, em pleno período dos anos de
chumbo da Ditadura Militar no Brasil.
Nesse
primeiro momento onde o filme apresenta a família constituída pelo patriarca
Rubens Paiva (Selton Mello), a matriarca Eunice Paiva(Fernanda Torres) e os
cinco filhos do casal formado pelas quatros meninas: Vera, Eliana, Nalu, Maria
Beatriz e o único menino Marcelo que é o autor do livro que inspirou esse
filme.
Retratando
o seu modo de vida tipicamente carioca
de frequentar a praia de Copacabana, onde eles costumavam irem se
deslocar a pé porque onde eles moravam bem esquina da praia.
Cujo
padrão de vida era bem confortável, não eram nem tão ricos, nem tão pobres.
Graças
a bem consolidada carreira de Rubens como engenheiro civil, aqui nesse contexto
fica bem subentendido que ele teve seu
mandato de deputado cassado após o Golpe Militar.
O
enredo vai apresentando a Família Paiva, recebendo visitas de amigos como: Baby Bocaiuva(Dan Stulbach) o colega de
Rubens em seu escritório de engenharia, o jornalista Félix(Humberto Carrão)
dentre outros.
Mostra
também eles recebendo uma correspondência de uma das filhas Vera que foi passar uma temporada em Londres.
Até
ai, a vida deles era muito alegre, a partir do momento que surge uns homens à
paisana que são agentes do governo que mandam prender Rubens Paiva. O sossego
da família vai virar um verdadeiro inferno que vai perdurar por décadas.
Nisso
resulta de Eunice e uma de suas filhas Eliana irem presas no DOI-CODI, lá vivem
dias torturantes até serem soltas e
nisso temos o começo da jornada da família enfrentando Deus e o mundo para
conseguirem obter notícias do paradeiro de Rubens, sempre em vão.
O
clima de insegurança da família fazem eles decidirem se mudar para São
Paulo-SP, é lá que passados 25 anos que os filhos já crescidos e Eunice
construiu uma brilhante carreira acadêmica de advogada lutando pela causa das famílias que perderam
seus entes queridos na Ditadura e
lutando pela causa indígena, que acompanhamos Eunice em direção ao cartório acompanhada dos filhos, recebendo o
registro de óbito do marido que gerou uma cobertura da imprensa que ocorreu em
1996.
Num
passar de 18 anos acompanhamos a Família Paiva reunida numa confraternização
familiar em 2014 onde mostra Eunice, uma senhora bem idosa e com a saúde frágil
assistindo a uma matéria sobre os 50 anos do Golpe, onde mostra uma citação do
marido como um dos mártires dos militares.
Período
esse marcado pela investigação da Comissão da Verdade para investigar os crimes
praticados pelos militares durante a Ditadura.
Essa
obra soube bem como abordar a temática
sensível da Ditadura, como isso até hoje é uma ferida aberta que muita gente
tenta renegar, mas que realmente foi muito opressora.
Confesso
que meu entendimento como historiador
sobre esse tema é ainda um tanto superficial, visto porque como eu
pertenço a uma geração que já não vivenciou tanto essa fase
repressora da Ditadura, ao contrário da geração dos meus pais que eram muito crianças quando
estourou o Golpe Militar em 1964.
Minha mãe estava com oito anos, já meu pai era um bebê de apenas de um ano.
Quando
eu nasci em 1985, o Brasil estava transitando para o fim da Ditadura para o Primeiro
Governo Civil de José Sarney que foi eleito indiretamente antes das Eleições
Diretas de 1989, que nos livros didáticos de História do Brasil se denominou de
Nova República.
O
primeiro sinal de respiro de liberdade de expressão que o Brasil estava
sentindo foi quando a Globo lançou a novela Roque Santeiro(Brasil,
1985-1986) de Dias Gomes(1922-1999) que marcou esse momento importante.
A
medida que fui crescendo, o que fui conhecendo sobre a Ditadura Militar no
Brasil era ainda aquele item de museu do que era descrito nos livros didáticos de Ensino Fundamental e
Ensino Médio como se fosse algo distante.
Foi
na época que eu fazia a antiga 8ª Série
do Ensino Fundamental que hoje equivale ao 9ª Ano do Ensino Fundamental durante uma aula de História do Brasil que
abordava sobre a Ditadura Militar, o nosso professor para nós fazer inteirar
melhor sobre como a Ditadura foi realmente repressora ele usou como exemplo do
humor que a gente assistia do Casseta & Planeta,Urgente(Brasil,
1992-2010) que ainda era exibido na Globo como um exemplo de que era um tipo de
humor que seria impensável de ser feito naquela época onde imperava a censura aos
meios de comunicação.
E
por quê ele se utilizou desse exemplo?
Porque
o humor do Casseta & Planeta trazia uma estética humorística satírica, paródica, inspirado no formato
jornalístico que abordava temáticas do cotidiano brasileiro, principalmente em
ridicularizar a nossa política.
Bom,
quando eu graduei no curso de História na UNP, isso lá por volta da segunda
metade dos anos 2000. Eu convivi com um colega que era um militar reacionário que prestou serviço ao
Exército bem na época repressora da
Ditadura. Se você mencionasse o nome
Ditadura na sua frente, ele já logo reagia de forma autoritária ainda num tom de piada que para ele não foi
Ditadura.
Claro
que para ele não foi, o cretino foi
bastante institucionalizado para acreditar nisso, acreditar numa postura
heroica que estava defendendo o pais de uma ameaça comunista, prezando pela
segurança do cidadão. Enquanto que a população civil era torturada nos porões
da Ditadura.
Ainda mais que ele após deixar o serviço militar ainda
continuou recebendo benefícios, muitas
regalias de uma gorda aposentadoria que o fez viver uma privilegiada vida
confortável até morrer em 2020 por conta da Covid-19 e era um bolsonarista de
marca maior.
Portanto,
ele por ter sido um milico tinha motivos para ter essa postura negacionista e
favorável a respeito da Ditadura Militar para ele foi um paraíso, ou melhor,
uma Ditabranda.
Coisa
que se você dissesse isso na frente da Família Paiva retratada no filme, eles
com certeza, considerariam esse tipo de postura uma piada de mau gosto.
No
filme em questão, o diretor soube bem como extrair esse tipo de abordagem dessa
sensação desconfortável sem precisar apelar para a violência gráfica a nível sangrento.
Ele
trata disso abordando pelo nível psicológico como tipo na cena onde mostra os
agentes a paisana dentro da residência após a prisão de Rubens Paiva, o
desconforto que é mostrando eles tentando agir de forma amigável com eles ou
mesmo quando acompanhamos Eunice presa no DOI-CODI, mesmo não mostrando cenas dela sendo torturada
fisicamente, no entanto, a sensação dela perder ali dentro a noção do tempo
e a gente ouvir os gritos das pessoas
sendo torturadas mostra bem o nível do horror psicológico para deixar o
espectador numa sensação desconfortável mesmo.
O
trabalho do design de produção que fez uma brilhante reconstituição da estética
retrô das três linhas temporais ambientadas no filme se mostrou incrível, assim
como o elenco brilhante que participa desse filme.
Dentre
os nomes destaco para Selton Mello que na pele do Rubens está ótimo, Fernanda
Torres na pele da Eunice jovem como mãe
dos cinco filhos crianças e também já crescidos segura bem as pontas da carga
dramática que essa personagem exige.
Também
mencionar a participação dos atores que se revezam no papel dos filhos do casal
Paiva, que na fase infantil que é onde boa
parte do filme é explorado são
representados por: Guilherme Silveira que faz o Marcelo, o menino mais peralta
do cinco, Valentina Herzage que faz a Vera, a adolescente do casal que se
aventura por Londres, Luiza Kosovski que faz a Eliana que convive junto com a
mãe nos porões da Ditadura. Que também
contou contou com Barbara Luz na pele da Lúcia e Cora Mora como a Beatriz.
Que
mais para frente são representados na fase adulta por: Maria Manoella(Vera),
Marjorie Estiano(Eliana), Gabriela Carneiro da Cunha(Lúcia), Olivia
Torres(Beatriz) e Antonio Saboia que representou o Marcelo, filho caçula da
família Paiva que fez carreira como escritor.
Na
história é mostrado ele na condição de tetraplégico em cadeira de rodas, já que não foi explicado que
aquilo foi uma consequência de um
acidente ocorrido em 1979, onde ele “Aos 20 anos de idade sofreu um acidente
após saltar de uma pedra em um lago raso, um açude barrento em um
sítio à beira da Rodovia dos Bandeirantes em Campinas,
fraturou uma vértebra (a quinta cervical) do pescoço ao bater a
cabeça no fundo do lago, ficando tetraplégico. Após tratamento de
fisioterapia e terapia ocupacional, voltou a locomover as mãos e os
braços.”
Fora
as participações de Daniel Dantas que no filme representa o jornalista Raul
Ryff(1911-1989) que era muito amigo da Família Paiva e mostra ele fazendo visitas a família, Charles Fricks que
representa Fernando Gasparian(1930-2006) empresário do ramo livreiro que
aparece numa cena do casal Paiva visitando sua livraria e ele está acompanhado
de sua esposa Dalva Gasparian(1931-2017) que foi representada por Maeve
Jinkings.
Também
mencionar a participação de Dan Stulbach como Baby e Humberto Carrão como Felix
que são gente intima da família Paiva.
E
não posso deixar de mencionar a participação de Fernanda Montenegro
representando nos minutos finais do filme a Eunice Paiva já bem idosa no
momento onde a narrativa se ambienta em 2014, papel defendido por sua filha
Fernanda Torres.
Mesmo
não verbalizando em nenhum momento, ainda assim ela mostrou um bom desempenho nesses
minutos finais onde representou magistralmente a Eunice Paiva já numa idade avançada e com sua
saúde comprometida por conta do
Alzheimer com quem ela conviveu em seus últimos anos de vida. Até falecer
em 2018 aos 89 anos.
A mostrando em uma reunião familiar onde todos ficam
distraidamente conversando num jardim, ela representou bem pela expressão do olhar uma reação assistindo na TV a matéria dedicada a
recordar os 50 anos do Golpe Militar, onde aparece o nome citado entre as
vitimas dos militares. Um trabalho primoroso mesmo de direção.
Num
balanço geral, Ainda Estou Aqui trata-se de uma obra dramática que pode
gerar desconforto, principalmente por uma abordar um tema sensível que envolve
a negligência e omissão do nosso estado brasileiro em relação a violência praticada
pelos seus agentes da lei em nome de um sistema totalitário que defende a moral
familiar, mas que destruiu a vida de outras famílias.
Uma
prática tão criminosa quanto.
Isso
é algo que jamais deve ser esquecido e não deve ser repetido.