Na tarde de quinta-feira, 11 de agosto de 2022,
terminei de assistir ao documentário Pacto brutal: o assassinato de Daniela
Perez (Brasil, 2022). Uma produção original da HBO Max dirigida por Tatiana
Issa e Guto Barra, em cinco episódios, aborda o assassinato da jovem atriz
Daniela Perez pelo seu colega de elenco da novela De Corpo e Alma (Brasil,
1992-1993), Guilherme de Pádua. O crime aconteceu no dia 28 de dezembro de 1992.
Coincidentemente, terminei de assistir o documentário no dia em que ela completaria
52 anos.
Eu era muito criança na época em que esse crime
ocorreu, estava com sete anos, mas lembro vagamente dos telejornais noticiando
o nome dela. Principalmente da última novela que participou, em que representou
a Yasmin e Guilherme de Pádua, seu assassino, interpretava o Bira, o seu par
romântico.
Por mais estranho que possa parecer o que vou
dizer, eu não recordava tanto deles em cena nessa novela; o que durante muito
tempo carreguei como lembrança foi a ousadia de o folhetim apresentar em
horário nobre, o antigo horário das oito, homens fazendo strip-tease num local
frequentado só por mulheres, o popular Clube das Mulheres, que estava
muito em alta na época, o qual contava com Victor Fasano, no auge da beleza e
da boa forma atlética, o famoso garoto-propaganda da marca de desodorante Avanço, representando um stripper. O núcleo
do qual Victor fazia parte contava com a participação de um cara que fazia um
apresentador do clube e que atuava nessa função também na vida real, o sócio e fundador do Clube das Mulheres , o
saudoso Marcos Manzano (1959-2020).
Outra coisa que eu me recordo dessa novela é a
estreia de Cristiana Oliveira na Globo, após estourar como a Juma Marruá na
versão original de Pantanal (Brasil, 1990), da extinta Rede Manchete. Sua
personagem, Paloma, era do núcleo de Daniela Perez, que representava sua irmã. Paloma
vivia um romance proibido com o Diogo, personagem do saudoso Tarcísio Meira (1935-2021),
um cara em crise no casamento. O casal era embalado pela canção italiana
Caruso, interpretada por Lucio Dalla (1943-2012). A atriz, inclusive, participa do
documentário dando seu depoimento.
Enfim, essas são as poucas coisas que eu me
recordo dessa novela tão assimilada ao crime brutal do assassinato de uma jovem
e talentosa atriz por um colega de elenco.
A respeito do documentário, o que posso dizer é
que ele é bem produzido. De maneira impecável, eles conseguem conduzir a
história tendo como fio condutor a mãe de Daniela, a novelista Glória Perez,
autora da novela em que a filha atuava na época do crime, que vai se
intercalando com as entrevistas e os depoimentos de muitos nomes importantes do
judiciário que investigaram o caso. Das pessoas próximas à Daniela, como um dos
representantes da classe artística, destaca-se o ator Raul Gazolla, que é viúvo
da atriz.
O documentário traz uma reconstituição das
horas que antecederam o crime, quando ela foi vista pela última vez na Globo, saindo
dos estúdios Tycoon, onde era gravada a novela antes da existência do Projac, e
imagens de arquivos. O canalha do Guilherme de Pádua não aparece dando
depoimento, ainda bem, pois muita coisa ali foi baseada nos autos do processo;
pois certamente ele daria uma nova versão para tentar confundir ainda mais a
justiça e colocar a culpa em sua então esposa e cúmplice no crime bárbaro,
Paula Thomaz. Esta, tão desprezível quanto Guilherme de Pádua, também não participa
do documentário. As únicas coisas que dá para ouvir da boca deles estão nos
arquivos das reportagens de telejornalismo que cobriam o caso.
O documentário esclarece como Guilherme de
Pádua havia sido selecionado para representar o Bira, o par romântico da Yasmim,
papel de Daniela Perez, que inicialmente era para ser do hoje deputado federal
Alexandre Frota, que não pôde aceitar o convite na época porque não foi
liberado da novela em que estava ainda atuando, Perigosas Peruas (Brasil,
1992). Frota aparece no documentário junto com outros atores, Raul Gazolla; Fábio
Assunção, que contracenava com Dani na novela fazendo seu outro par romântico;
Eri Johnson, que também contracenava com a atriz na novela. Outros atores
também dão seu depoimento: Stênio Garcia, que interpretava o pai de Yasmin, e
Cristiana Oliveira, que fazia o papel de sua irmã.
Mauricio Mattar, que não compunha o elenco da
novela, traça um perfil de Guilherme de Pádua quando contracenou com ele numa
peça chamada Blue Jeans, dirigida por Wolf Maia. A peça ainda contava
com Fábio Assunção e Alexandre Frota no elenco, os quais também dizem como era
conviver com Guilherme antes do crime, ressaltando seu comportamento estranho.
Fábio Assunção lembra um momento em que Guilherme de Pádua, representando um
policial que o prendia, chegou a machucá-lo de verdade. “Ele fazia um policial,
então ele me prendia, tinha que me bater, mas era ensaio. E ele me deu um soco
em cena. Foi na minha garganta, aquilo deu uma discussão enorme. Achei até que
ia ficar com algum problema na voz”, diz o ator.
O documentário mostra a passagem de Guilherme de Pádua pelo grupo teatral homoerótico dos Leopardos, no qual ingressou no final dos 1980 ao chegar no Rio de Janeiro (ele nasceu em Belo Horizonte). Ele se envergonha de ter participado do grupo e nessa época já mostrava um perfil egoísta, psicótico, narcisista. Foi nesse grupo conheceu a mulher que seria sua futura esposa e cúmplice no assassinato, Paula Thomaz. Ela também já demonstrava um comportamento estranho e possessivo. Capazes de fazer até um pacto macabro e dos mais bizarros. Foi essa a inspiração para o título do documentário.
O documentário traz ainda o depoimento de
muitos dos profissionais que trabalharam nos bastidores da novela (maquiadora, cameraman,
figurinista), todos ali relatando que Guilherme de Pádua agia sempre de forma
estranha e vivia perseguindo Daniela, por não se conformar com o pouco destaque
do seu personagem.
Há também o depoimento da filha de Hugo da
Silveira, já falecido, importante testemunha que passava pela estrada próxima ao
matagal onde foi encontrado o corpo da atriz; ele anotou a placa dos dois
carros ali parados.
Em alguns momentos nos deparamos com imagens de
arquivos com muitos representantes da classe artística clamando nas portas das
delegacias por justiça pelo assassinato de Daniela Perez, alguns desses
artistas já são falecidos, como é o caso Guilherme Karan (1958-2016), Marilu
Bueno (1940-2022), que na novela De Corpo e Alma fazia o papel da mãe de
Yasmim, personagem da Daniela Perez. Outras personalidades que aparecem nas
imagens de arquivos e também são falecidas: o jornalista Marcelo Rezende (1951-2017),
famoso apresentador de programas policialescos; o documentário mostra sua cobertura
do caso como repórter em matéria para a Rede Globo.
A jornalista Sandra Moreyra (1954-2015) também
aparece nas imagens de arquivos, entrevistando Daniela Perez quando a atriz
estava se preparando para fazer o papel da Yasmim na novela, comentando suas
expectativas em relação à personagem. Outra personalidade, essa recém-falecida,
que é mostrada nas imagens de arquivo do documentário, é Jô Soares (1938-2022),
em seu antigo talk show do SBT, o Jô Soares Onze e Meia (1988-1999),
quando entrevista a autora Glória Perez, esta desabafa sobre a impunidade. Em
outro momento, traz imagens do grupo dos Leopardos, fazendo performances
sexuais das quais participava o assassino Guilherme de Pádua.
Há também o depoimento do irmão de Daniela
Perez, o advogado Rodrigo Perez, relatando a ferida aberta com a morte brutal
da irmã, uma ferida que ainda não cicatrizou. O documentário não mencionou o
outro irmão de Daniela, o caçula Rafael Perez, que nasceu com uma síndrome rara
que afetou o seu desenvolvimento mental. Rafael faleceu dez anos depois da irmã,
em novembro de 2002, aos 25 anos, vítima de problemas intestinais.
Enfim, sobre esse tipo de produção, é
necessário que se tenha nervos de aço e muito preparo psicológico para digerir
todo o teor barra pesada que a obra expõe, desde os depoimentos emocionantes
até a foto da perícia mostrando o corpo da Daniela mutilado. Para quem gosta
dessa estética de true crime e tem estômago para conseguir ver até o fim e não
se sentir revoltado com a impunidade do caso, recomendo o documentário. Passados
trinta anos desse crime bárbaro, os monstros que assassinaram a Daniela Perez
estão soltos por aí. O Guilherme de Pádua virou pastor evangélico e está sempre
posando de santinho.
Mas se
você for sensível demais e se emociona muito fácil, acho melhor não se arriscar
a ver.
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