terça-feira, 23 de agosto de 2022

PACTO BRUTAL-O ASSASSINATO DE DANIELA PEREZ

 

 

Na tarde de quinta-feira, 11 de agosto de 2022, terminei de assistir ao documentário Pacto brutal: o assassinato de Daniela Perez (Brasil, 2022). Uma produção original da HBO Max dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra, em cinco episódios, aborda o assassinato da jovem atriz Daniela Perez pelo seu colega de elenco da novela De Corpo e Alma (Brasil, 1992-1993), Guilherme de Pádua. O crime aconteceu no dia 28 de dezembro de 1992. Coincidentemente, terminei de assistir o documentário no dia em que ela completaria 52 anos.




Eu era muito criança na época em que esse crime ocorreu, estava com sete anos, mas lembro vagamente dos telejornais noticiando o nome dela. Principalmente da última novela que participou, em que representou a Yasmin e Guilherme de Pádua, seu assassino, interpretava o Bira, o seu par romântico.

Por mais estranho que possa parecer o que vou dizer, eu não recordava tanto deles em cena nessa novela; o que durante muito tempo carreguei como lembrança foi a ousadia de o folhetim apresentar em horário nobre, o antigo horário das oito, homens fazendo strip-tease num local frequentado só por mulheres, o popular Clube das Mulheres, que estava muito em alta na época, o qual contava com Victor Fasano, no auge da beleza e da boa forma atlética, o famoso garoto-propaganda da marca de desodorante Avanço, representando um stripper. O núcleo do qual Victor fazia parte contava com a participação de um cara que fazia um apresentador do clube e que atuava nessa função também na vida real, o sócio e fundador do Clube das Mulheres , o saudoso Marcos Manzano (1959-2020).





Outra coisa que eu me recordo dessa novela é a estreia de Cristiana Oliveira na Globo, após estourar como a Juma Marruá na versão original de Pantanal (Brasil, 1990), da extinta Rede Manchete. Sua personagem, Paloma, era do núcleo de Daniela Perez, que representava sua irmã. Paloma vivia um romance proibido com o Diogo, personagem do saudoso Tarcísio Meira (1935-2021), um cara em crise no casamento. O casal era embalado pela canção italiana Caruso, interpretada por Lucio Dalla (1943-2012).  A atriz, inclusive, participa do documentário dando seu depoimento.

Enfim, essas são as poucas coisas que eu me recordo dessa novela tão assimilada ao crime brutal do assassinato de uma jovem e talentosa atriz por um colega de elenco.






A respeito do documentário, o que posso dizer é que ele é bem produzido. De maneira impecável, eles conseguem conduzir a história tendo como fio condutor a mãe de Daniela, a novelista Glória Perez, autora da novela em que a filha atuava na época do crime, que vai se intercalando com as entrevistas e os depoimentos de muitos nomes importantes do judiciário que investigaram o caso. Das pessoas próximas à Daniela, como um dos representantes da classe artística, destaca-se o ator Raul Gazolla, que é viúvo da atriz.

O documentário traz uma reconstituição das horas que antecederam o crime, quando ela foi vista pela última vez na Globo, saindo dos estúdios Tycoon, onde era gravada a novela antes da existência do Projac, e imagens de arquivos. O canalha do Guilherme de Pádua não aparece dando depoimento, ainda bem, pois muita coisa ali foi baseada nos autos do processo; pois certamente ele daria uma nova versão para tentar confundir ainda mais a justiça e colocar a culpa em sua então esposa e cúmplice no crime bárbaro, Paula Thomaz. Esta, tão desprezível quanto Guilherme de Pádua, também não participa do documentário. As únicas coisas que dá para ouvir da boca deles estão nos arquivos das reportagens de telejornalismo que cobriam o caso.





O documentário esclarece como Guilherme de Pádua havia sido selecionado para representar o Bira, o par romântico da Yasmim, papel de Daniela Perez, que inicialmente era para ser do hoje deputado federal Alexandre Frota, que não pôde aceitar o convite na época porque não foi liberado da novela em que estava ainda atuando, Perigosas Peruas (Brasil, 1992). Frota aparece no documentário junto com outros atores, Raul Gazolla; Fábio Assunção, que contracenava com Dani na novela fazendo seu outro par romântico; Eri Johnson, que também contracenava com a atriz na novela. Outros atores também dão seu depoimento: Stênio Garcia, que interpretava o pai de Yasmin, e Cristiana Oliveira, que fazia o papel de sua irmã.

Mauricio Mattar, que não compunha o elenco da novela, traça um perfil de Guilherme de Pádua quando contracenou com ele numa peça chamada Blue Jeans, dirigida por Wolf Maia. A peça ainda contava com Fábio Assunção e Alexandre Frota no elenco, os quais também dizem como era conviver com Guilherme antes do crime, ressaltando seu comportamento estranho. Fábio Assunção lembra um momento em que Guilherme de Pádua, representando um policial que o prendia, chegou a machucá-lo de verdade. “Ele fazia um policial, então ele me prendia, tinha que me bater, mas era ensaio. E ele me deu um soco em cena. Foi na minha garganta, aquilo deu uma discussão enorme. Achei até que ia ficar com algum problema na voz”, diz o ator.





O documentário mostra a passagem de Guilherme de Pádua pelo grupo teatral homoerótico dos Leopardos, no qual ingressou no final dos 1980 ao chegar no Rio de Janeiro (ele nasceu em Belo Horizonte). Ele se envergonha de ter participado do grupo e nessa época já mostrava um perfil egoísta, psicótico, narcisista. Foi nesse grupo conheceu a mulher que seria sua futura esposa e cúmplice no assassinato, Paula Thomaz. Ela também já demonstrava um comportamento estranho e possessivo. Capazes de fazer até um pacto  macabro e dos mais bizarros. Foi essa a inspiração para o título do documentário. 





O documentário traz ainda o depoimento de muitos dos profissionais que trabalharam nos bastidores da novela (maquiadora, cameraman, figurinista), todos ali relatando que Guilherme de Pádua agia sempre de forma estranha e vivia perseguindo Daniela, por não se conformar com o pouco destaque do seu personagem.

Há também o depoimento da filha de Hugo da Silveira, já falecido, importante testemunha que passava pela estrada próxima ao matagal onde foi encontrado o corpo da atriz; ele anotou a placa dos dois carros ali parados.




Em alguns momentos nos deparamos com imagens de arquivos com muitos representantes da classe artística clamando nas portas das delegacias por justiça pelo assassinato de Daniela Perez, alguns desses artistas já são falecidos, como é o caso Guilherme Karan (1958-2016), Marilu Bueno (1940-2022), que na novela De Corpo e Alma fazia o papel da mãe de Yasmim, personagem da Daniela Perez. Outras personalidades que aparecem nas imagens de arquivos e também são falecidas: o jornalista Marcelo Rezende (1951-2017), famoso apresentador de programas policialescos; o documentário mostra sua cobertura do caso como repórter em matéria para a Rede Globo.

A jornalista Sandra Moreyra (1954-2015) também aparece nas imagens de arquivos, entrevistando Daniela Perez quando a atriz estava se preparando para fazer o papel da Yasmim na novela, comentando suas expectativas em relação à personagem. Outra personalidade, essa recém-falecida, que é mostrada nas imagens de arquivo do documentário, é Jô Soares (1938-2022), em seu antigo talk show do SBT, o Jô Soares Onze e Meia (1988-1999), quando entrevista a autora Glória Perez, esta desabafa sobre a impunidade. Em outro momento, traz imagens do grupo dos Leopardos, fazendo performances sexuais das quais participava o assassino Guilherme de Pádua.





Há também o depoimento do irmão de Daniela Perez, o advogado Rodrigo Perez, relatando a ferida aberta com a morte brutal da irmã, uma ferida que ainda não cicatrizou. O documentário não mencionou o outro irmão de Daniela, o caçula Rafael Perez, que nasceu com uma síndrome rara que afetou o seu desenvolvimento mental. Rafael faleceu dez anos depois da irmã, em novembro de 2002, aos 25 anos, vítima de problemas intestinais.  





  Enfim, sobre esse tipo de produção, é necessário que se tenha nervos de aço e muito preparo psicológico para digerir todo o teor barra pesada que a obra expõe, desde os depoimentos emocionantes até a foto da perícia mostrando o corpo da Daniela mutilado. Para quem gosta dessa estética de true crime e tem estômago para conseguir ver até o fim e não se sentir revoltado com a impunidade do caso, recomendo o documentário. Passados trinta anos desse crime bárbaro, os monstros que assassinaram a Daniela Perez estão soltos por aí. O Guilherme de Pádua virou pastor evangélico e está sempre posando de santinho.  Mas se você for sensível demais e se emociona muito fácil, acho melhor não se arriscar a ver.



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