No dia 07 de Março de 1999, há exatos 20 anos completos nesta quinta-feira, a sétima arte perdia o grande gênio que foi Stanley Kubick.
Apesar dele ter uma personalidade e uma genialidade forte que o tornava uma pessoa difícil de se trabalhar. Visto a quantidade de gente que já perdeu muito a cabeça com os constantes autoritarismos e controle que ele fazia nos bastidores. Mesmo assim é inegável ver o quanto Kubrick deixou um legado importante para a sétima arte, especialmente na maneira como criava enquadramentos de câmera, os ângulos, a fotografia e também a maneira como formatava as suas histórias fora da caixinha com protagonistas imperfeitos e cheios da dubiedade. E nada melhor que lembrar esta data de vinte anos de sua morte e escolher comentar uma das obras-primas dele que eu já tive o privilegio de apreciar e foi o seu trabalho póstumo. Estou me referindo a De Olhos Bem Fechados.(Eyed Wide Shut, EUA, 1999).
Adaptado do romance Traummnovelle de autoria do austríaco Arthur Schnitzler(1862-1931), publicado em 1926. O enredo do filme gira em torno do relacionamento do casal Bill(Tom Cruise) e Alice Harford(Nicole Kidman).
Que vivem em Nova York, uma vida bem perfeita dos sonhos de todo o americano de classe média. Frequentam muitas festas de luxo, e sempre procuram manter acesso o fogo da paixão. Até que em plena noite natalina, o casal passa por uma forte crise, especialmente depois de retornarem de uma festa glamorosa do amigo do casal Victor Ziegler(Sydney Pollack) onde Alice era cortejada por um convidado, o milionário húngaro Sandor Szavos(Sky Du Mont) e Bill vive sendo seduzido por belas jovens.
Alice começa a desconfiar que Bill a anda traindo com as suas pacientes, já que ele é médico. Bill desmente, mas Alice fica irredutível, é a partir dai que o relacionamento dos dois começa a esfriar. É a partir dai que o enredo vai girar em torno da jornada de Bill a procura de satisfazer suas fantasias sexuais sem a sua amada Alice. A medida que ele vai saindo pelas ruas de Nova York ele vai se deparando com situações que o provocam a libido e o fazem despertar o seu desejo sexual.
Da garota de programa que o acompanha caminhando pelas ruas, da filha do dono de uma loja de fantasia para alugar uma máscara para participar de uma reunião secreta ao qual ele descobre a existência por meio de Nick Nightingale(Todd Field), seu ex-colega do curso de medicina com que ele se encontra por mero acaso num bar onde ele toca profissionalmente no piano. Nick comenta a Bill dessa reunião secreta pelo fato dele ter sido convidado a tocar onde ocorre todo um bacanal cheio de orgias e tudo mais e ali ninguém é de ninguém. Nick passa a misteriosa senha do lugar que é Fidelio. É dessa forma que Bill vai lá então para se aventurar e saciar a sua fantasia sexual, mas termina não acontecendo do mesmo modo como termina sempre não acontecendo com outros casos. Já que ele acabou sendo desmascarado. Logo após ele participar desse evento ocorre uma série de situações estranhas, como uma das moças que participaram do baile de máscaras na mansão ter sido assassinada e ele resolve investigar por conta própria, enquanto que se depara com o drama de Alice aos prantos comentar os sonhos perturbadores transando com outros homens num verdadeiro bacanal. Até chegar o momento em que para surpresa de Bill, principalmente a partir do ato final do filme, é quando ele reunido com seu amigo Victor no escritório dele que este resolve abrir o jogo e contar toda a verdade sobre aquela daquela sociedade secreta que praticam rituais cheios de orgias ao qual ele era membro e ao qual os membros representam os homens mais importantes da elite nova yorkina. Bill ficou estarrecido com esta revelação e conformando com o fato de não ter conseguido em nenhum realizar as suas fantasias sexuais, resolve fazer as pazes e no final em uma cena numa loja de brinquedos, acompanhados da filha pequena. Eles prometem que vão continuar a trepar, como é a palavra final de Alice. Kubrick não viu resultado final do filme, que só seria lançado nos cinemas apenas quatro meses depois que ele morreu, recebendo duras críticas negativas na época. Talvez pelo fato da trama mexer muito com a temática tabu que envolve as fantasias sexuais que cada um tem, mas não gosta de expor a ninguém com medo do mau julgamento, de o verem como pervertido ou outras nomenclaturas mais banais. Isto muito bem representado pelo casal protagonista Bill e Alice, que foram muito bem representados pelo então casal 20, queridinho de Hollywood na época Tom Cruise e Nicole Kidman que mostraram uma perfeita sintonia e também química em cena, especialmente para momentos íntimos e isto pode ser bem sentido no comecinho com eles completamente peladões após fazerem sexo e quando não isso, com eles vivendo momentos muitos tensos pelo desgaste da relação. Tom Cruise como Bill desempenhou bem no personagem toda a complexidade do seu perfil egocêntrico de quem quer ser desejado e poderoso e usa disso dando carteirada mostrando o seu registro de médico e dando muito dinheiro para provar o seu status e tentar realizar em vão a sua fantasia sexual. Já Nicole Kidman como a Alice desempenhou impecavelmente o perfil mais oposto ao de Bill ao mostrar os seus dilemas das fantasias sexuais e do perturbador sonho que teve transando com vários homens na frente de Bill.
Além desses atores, o filme também contou com a participação do já falecido Sydney Pollacy(1934-2008) na pele do Victor, Todd Field como o músico Nick Nightingale e Alan Cumming fazendo uma rápida participação como balconista de hotel com um jeito um tanto afetado. Kubrick da forma mais meticulosa procurou tratar desse assunto tão complexo e tão tabu usando de muitas simbologias, dentre estas estão nas paletas de cores das iluminarias natalinas onde Bill está próximo que o remetem a figura do arco-íris ao qual ele quer chegar e descobrir o pote de ouro que no caso representa realizar a sua fantasia sexual.
Ele também fez um lindo trabalho nos ângulos de câmera, como o movimento de câmera circular nas duas cenas diferentes do filme, a primeira com Alice dançando com o milionário húngaro Sandor na mansão de Victor e o segundo na cena de Bill após chegar na mansão onde está acontecendo a reunião das orgias, observa duas se despindo na frente do frade. Isto é o que serviu bem para criar a sensação de hipnose. A trilha sonora do filme assinada pela inglesa Jocelyn Pook com fundo musical de muitos temas clássicos de grandes compositores criou toda uma atmosfera mais intimista e cheia de muito suspense, especialmente ao som de pianos, e o ar sacro da cena ritualista com uma música bem sugestiva de um toque primorosamente artístico a obra. Kubrick conhecido por seus perfeccionismos levou dois anos para concluir este filme, que foi completamente filmado na Inglaterra nos Estúdios Pinewood em Londres. É tanto que nesse interim, um dos atores que haviam sido escolhido para trabalhar Harvey Keitel para interpretar o Victor saiu do projeto e foi substituído por Sydney Pollack. De todo jeito, pode se descrever que este filme mesmo não tendo agradado a critica especializada na época, foi com o tempo ganhando status de obra-prima, inclusive figurando na lista de vários sites como um dos filmes mais marcantes do ano de 1999. O que não é a toa, se a gente for analisar que esta complexa abordagem tabu sobre a fantasia sexual trazia bem um reflexo a respeito dos anseios, dos medos, dos receios e das expectativas que o mundo vivia há vinte anos pela chegada da modernidade do século 21. A gente pode perceber isso muito bem na jornada de Bill em tentar realizar a fantasia sexual para se sentir desejado e poderoso e não conseguir chegar ao fim do arco-íris a ponto da coisa se tornar frustrante quando não vê realizado, mostrando que nem tudo o que a gente deseja pode ser realizado e que devemos tomar muito cuidado com nossas expectativas. Do mesmo modo Alice demonstrava bem este reflexo ao mostrar o seu medo de ao realizar o desejo de sua fantasia sexual, que pudesse cometer adultério a ponto de se separar, com quem vivendo uma relação fria gasta, não consegue se imaginar longe dele e nessa separação como vai ser a construção da sua dali para frente. Especialmente na criação da filha pequena do casal.
Em um balanço geral, De Olhos Bem Fechados, o trabalho póstumo de Kubrick merece sim ser visto e revisto sem juízo de valor, especialmente pela complexidade com que o filme aborda a respeito da simbologia do nosso inconsciente sexual que é muito tabu e é ainda visto de forma tão banal, o diretor trazer esta abordagem da forma mais poética resultou num trabalho primoroso.
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