quarta-feira, 22 de julho de 2020

RESENHA DE O HOMEM DO FUTURO(2011): UMA FICÇÃO CIENTIFÍCA BRASILEIRA


A produção do cinema brasileiro, sempre foi  bastante sofrida, visto que aqui para a gente produzir um filme precisa depender de verba governamental.  Fora que nós brasileiros em sua maioria, não costumamos dar muito valor a nossa produção cinematográfica onde sempre temos uma visão banal. Principalmente pelas produções das pornochanchadas. Sofremos no começo da década de 1990, quando o então Presidente da República do Brasil Fernando Collor de Mello fechou  a Embracine e a produção cinematográfica foi prejudicada. E depois que houve a retomada fomos aos poucos nos aperfeiçoando. Desde da retomada do cinema nacional, nos acomodamos sempre a trabalhar na comédia com aquelas  fórmulas prontas com toques bem caracteristicamente novelescos e com muita dose  de apelo popularesco suburbanos e periféricos  para atrair a plateia. Ainda mais sendo estrelado por atores do primeiro escalão da Rede Globo, a maior emissora do pais. Isto não é o caso do filme O Homem do Futuro( Brasil, 2011).  Que fez um ótimo trabalho experimental de ficção científica sobre viagem no tempo.  Algo incomum para o calibre do cinema brasileiro.













Na obra, acompanhamos a história de João/Zero(Wagner Moura), um brilhante cientista que trabalha como professor universitário numa conceituada faculdade. Mesmo sendo um brilhante gênio da ciência, vive na frustação de ter vivido uma situação  humilhante  há vinte anos quando durante uma noite festiva do baile  a fantasia em  1991 na Universidade, ele foi bastante achincalhado no palco na frente de todo mundo pelo Ricardo(Gabriel Braga Nunes)  o lambuzando, botando penas  e o pendurando numa corda em direção ao público e foi   lá que ele perdeu o grande amor de sua vida Helena(Alinne Moraes) que participou dessa brincadeira de mau gosto colocando o letreiro de Zero, o apelido dele que o estigmatizou para o resto da vida.







Helena que passados 20 anos, virou uma grande modelo internacional, e ele vive obcecado por ela a ponto de usar a máquina molecular  que estava desenvolvendo para fazer uma viagem no tempo, que contou com o auxílio financiado de seus velhos companheiros da época de faculdade Sandra(Maria Luísa Mendonça) e Otávio(Fernando Ceylão). Otávio é o que mais se mostra contra esta ideia, tenta impedi-lo, mas, não consegue e durante sua ida a 1991 para modificar o passado  ele contara com reforço do hacker Sushi(Daniel Uemura). Então quando ele chega a 1991 pela primeira vez, bota em prática o que havia pensado que era modificar aquele acontecimento e quando ele consegue entra num futuro alternativo onde ele começa a estranhar o fato de ter Ricardo como seu assistente e se tornou podre de rico, mas muito canalha passando a perna nos seus dois companheiros de faculdade que lhe deram a maior força no seu projeto e viraram seus inimigos nos tribunais, e o quanto que ele virou um canalha em mandar prender Helena e que havia virado um tremendo cafajeste e torrava a grana a ponto de ficar endividado.  E a trair com outras mulheres.
Ao perceber a grande mancada que fez ao modificar a sua existência temporal para deixar ocorrer novamente e assim temos a jornada dele diante do maior inimigo que é o tempo.












O filme contou com a direção e o roteiro de Cláudio Torres, diretor que nasceu num importante berço artístico sendo filho dos atores Fernando Torres(1927-2008) e Fernanda Montenegro e da atriz Fernanda Torres e já no seu  currículo cinematográfico contém  outras obras experimentais importantes  como Traição(Brasil, 1999), Redentor(Brasil,2004), A Mulher do Meu Melhor Amigo(Brasil.2008) e A Mulher Invisível(Brasil,2009) .  Eu lembro bem de ter assistido na telona na época do lançamento e fiquei bastante surpreendido com esta inusitada estética que o diretor trabalhou na obra  de ficção científica com toques de comédia e drama. Coisa que normalmente não é muito familiar aos brasileiros,  principalmente nas telenovelas já que somos um país muito desigual onde temos um governo que pouco investe no ensino. E para quem sonhar em fazer carreira na ciência, sofre pela falta de verba do governo. Uma lástima. Ao revisita-lo na Netflix  pude ver que ele envelheceu bem, principalmente ao tratar da questão ética por parte da ciência e suas consequências que a ganância pode trazer, principalmente numa invenção que mexe com viagem no tempo. E que existe limites para o homem ficar brincando de Deus. Bem dosado entre a comédia e o drama.
Por mexer com viagem no tempo, o filme apresenta alguns furos de roteiro como ocorre também nas megaproduções de Hollywood que quando você imerge na história nem repara como o fato do protagonista roubar um carro de um casal no passado de 1991, por exemplo. 










Há criticas mistas que o acham bastante pasteurizado, muito americanizado, não parece muito jeito de filme brasileiro principalmente pela estética de ficção cientifica. A mesma é a que fica dando valor as comédias banais popularescas achando a coisa mais primorosa do mundo com aquelas formulas baratas de risada fácil mostrando o brasileiro esperto malandro. E não entendeu as sutilidades da abordagem do texto que é muito cheio complexo e didatismo, que não estamos habituados a prestigiar. E não tenham reparado que, por exemplo, as principais características que o filme bem reflete sobre o Brasil está em João pegando verbas sem a autorização e ele reclamar de trabalhar como escravo dentro da universidade. E o próprio refletir a profissão de docente no Brasil. Coisa que pelo que parece não foram muito notadas pelos experts. Achando que uma abordagem dessa obra  muito elitizada não simboliza o reflexo do  Brasil.
Enfim, O Homem do Futuro trata-se de uma obra magnífica bem fora dos padrões de produção brasileira, com um brilhante texto cômico cheio de complexidades didáticas cujo teor não é  para qualquer um entender, bem numa pegada mais  nerd sobre  universo cientifico de viagem no tempo. Ao contrário das comédias mais  popularescas que retratam bem o estereótipo do brasileiro malandro que quer se dar bem a qualquer custo.










 Com um elenco brilhante de peso, só tem feras. Que representaram bem  a boa construção e desenvolvimento dos seus personagens. Wagner Moura como protagonista João desempenhou brilhantemente o papel com todas as camadas do personagem, principalmente dele vivendo em constante conflito com ele mesmo,  como podemos bem perceber nas suas diferentes versões com que ele se depara: Como o João  do passado de 1991 trabalhou perfeitamente o  jeito bem abobalhado, imaturo  e ingênuo falando gago. Já na versão do João  no presente de 2011, representou bem  a sua versão de professor universitário que carrega todas as frustações daquela noite em que foi humilhado e foi abandonado pelo seu amor.   E na versão do João de um futuro alternativo modificado por ele, representou bem a camada mais dramática e melancólica dele vendo as consequências da decisão que tomou ao modificar seu passado, onde conquistou o que queria que era rico, bilionário com o seu invento, no entanto viu pagar um alto preço de viver solitariamente por trás de todo o glamour e da riqueza, que o tornou um cara frio e insensível. Um ótimo gênio da ciência, mas que sempre vivia atormentado por este acontecimento, criando assim seus demônios internos.   Alinne Moraes como a Helena ficou excelente representou as diferentes camadas dela em cena, a tipo estereotipo do mulherão sonho erótico de qualquer nerd,  mostrando  bem que amava sim João  do jeito que ele era, mas por uma armação do canalha do Ricardo que o humilhou na frente de todo mundo, ela o abandonou e seguiu carreira de modelo por imposição do Ricardo. Gabriel Braga Nunes como o Ricardo representou brilhantemente o papel  desse sujeito playboy, mau caráter, que por trás daquela posse de galã de TV era um sujeito podre, nojento, que não media esforços  para conquistar  o objetivo ganancioso de separar Helena de João para transforma-la numa modelo internacional a vendendo para um agente espanhol. Também merece menção as partições de Maria Luiza Mendonça como Sandra que fez uma excelente representação cômica dela bastante afetada. Outra menção importante do elenco vai para  Fernando Ceylão que ficou excelente como o Otávio, o alivio cômico, parceiro de João desde dos tempos da faculdade e seu colaborador no projeto, além de desempenhar bem na comédia ficou óitmo também no drama. Fora também algumas participações especiais. Como a de Gregório Duvivier, humorista que integra o grupo humorístico da internet  Porta dos Fundos como um sujeito andando na rua em 1991 com quem João pede informação. Rodolfo Botino, ator que acompanhei mais mostrando seus dotes culinários quando apresentava um programa chamado UD Gourmet no canal de vendas Shoptime aparece no filme como um barman nessa obra que foi seu último trabalho, ele faleceu meses depois do lançamento em 11 de Dezembro de 2011, após enfrentar uma batalha contra o HIV. Daniel Uemura como o hacker Sushi também esteve incrível naquele estereotipo nerd. E vale mencionar também a participação gringa do franco-argentino Jean-Pierre Noher como o Mayer, o agente espanhol a quem Ricardo apresenta Helena para se sua modelo e fazer carreira internacional.  













Também juntando ao ótimo design de produção dos bons efeitos especiais ocasionados pelas viagens no tempo colocaram bem uma estética futurista na obras, e as locações feitas entre São Paulo e Rio de Janeiro, a excelente com os adereços bem retrô  que bem rementem ao começo dos anos 1990, que é bem explorado com uma estética vintage.  Fora também a trilha musical perfeita como a canção Tempo Perdido do Legião Urbana representada no filme pelos protagonistas ficou simplesmente  incrível. Fora também a música By My Side  da banda  australiana INXS tocando ao fundo nas cenas de amor entre João e Helena no Baile a Fantasia que estava entre as mais tocadas nas rádios da época. Fora também a produção musical do Lucas Raele que trabalhou uns toques de música de sintetizador que bem criou a atmosfera de ficção cientifica.









No Balanço Geral, posso concluir que O Homem do Futuro  trata-se de uma  obra cinematográfica brasileira   que pode ser bem agradável para quem gosta de uma estética mais experimental como essa abordando  ficção cientifica com a complexidade mais reflexiva da  viagem no tempo coisa que não temos muito o hábito de trabalhar, fugindo um pouco dos padrões e das fórmulas baratas e  mais popularescas das comédias suburbanas, com temáticas banais e  escrachas com ares novelescos como estamos acostumados   a ver em nossas produções.








O mote do texto representou muito bem respeitando dentro  do timing para a comédia e dentro  do timing para o drama as consequências sérias da prática  do bullying, como bem a obra exemplificou na cena da festa a fantasia da faculdade, numa época em que essa discussão estava em evidência aqui no Brasil após o recente e  fatídico episódio do Massacre na Escola Pública de Realengo no  Rio de Janeiro ocorrido em Abril de 2011, onde um ex-estudante matou covardemente 12 alunos da escola para se vingar das humilhações que sofreu lá dentro, e  do quanto isto pode afetar uma pessoa como o protagonista que após aquela humilhação provocada pelo Ricardo. Mostrando o quão isto pode trazer a pessoa na vida adulta a ponto de afetar sua auto-estima. O tornando bem atemporal.

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