A
produção do cinema brasileiro, sempre foi bastante sofrida, visto que aqui para a gente
produzir um filme precisa depender de verba governamental. Fora que nós brasileiros em sua maioria, não
costumamos dar muito valor a nossa produção cinematográfica onde sempre temos
uma visão banal. Principalmente pelas produções das pornochanchadas. Sofremos
no começo da década de 1990, quando o então Presidente da República do Brasil
Fernando Collor de Mello fechou a
Embracine e a produção cinematográfica foi prejudicada. E depois que houve a
retomada fomos aos poucos nos aperfeiçoando. Desde da retomada do cinema
nacional, nos acomodamos sempre a trabalhar na comédia com aquelas fórmulas prontas com toques bem
caracteristicamente novelescos e com muita dose de apelo popularesco suburbanos e
periféricos para atrair a plateia. Ainda
mais sendo estrelado por atores do primeiro escalão da Rede Globo, a maior
emissora do pais. Isto não é o caso do filme O Homem do Futuro(
Brasil, 2011). Que fez um ótimo trabalho
experimental de ficção científica sobre viagem no tempo. Algo incomum para o calibre do cinema
brasileiro.
Na
obra, acompanhamos a história de João/Zero(Wagner Moura), um brilhante
cientista que trabalha como professor universitário numa conceituada faculdade.
Mesmo sendo um brilhante gênio da ciência, vive na frustação de ter vivido uma
situação humilhante há vinte anos quando durante uma noite festiva
do baile a fantasia em 1991 na Universidade, ele foi bastante
achincalhado no palco na frente de todo mundo pelo Ricardo(Gabriel Braga
Nunes) o lambuzando, botando penas e o pendurando numa corda em direção ao
público e foi lá que ele perdeu o grande amor de sua vida
Helena(Alinne Moraes) que participou dessa brincadeira de mau gosto colocando o
letreiro de Zero, o apelido dele que o estigmatizou para o resto da vida.
Helena
que passados 20 anos, virou uma grande modelo internacional, e ele vive
obcecado por ela a ponto de usar a máquina molecular que estava desenvolvendo para fazer uma
viagem no tempo, que contou com o auxílio financiado de seus velhos
companheiros da época de faculdade Sandra(Maria Luísa Mendonça) e
Otávio(Fernando Ceylão). Otávio é o que mais se mostra contra esta ideia, tenta
impedi-lo, mas, não consegue e durante sua ida a 1991 para modificar o passado ele contara com reforço do hacker Sushi(Daniel
Uemura). Então quando ele chega a 1991 pela primeira vez, bota em prática o que
havia pensado que era modificar aquele acontecimento e quando ele consegue
entra num futuro alternativo onde ele começa a estranhar o fato de ter Ricardo
como seu assistente e se tornou podre de rico, mas muito canalha passando a
perna nos seus dois companheiros de faculdade que lhe deram a maior força no
seu projeto e viraram seus inimigos nos tribunais, e o quanto que ele virou um
canalha em mandar prender Helena e que havia virado um tremendo cafajeste e
torrava a grana a ponto de ficar endividado. E a trair com outras mulheres.
Ao
perceber a grande mancada que fez ao modificar a sua existência temporal para
deixar ocorrer novamente e assim temos a jornada dele diante do maior inimigo
que é o tempo.
O
filme contou com a direção e o roteiro de Cláudio Torres, diretor que nasceu
num importante berço artístico sendo filho dos atores Fernando
Torres(1927-2008) e Fernanda Montenegro e da atriz Fernanda Torres e já no seu currículo cinematográfico contém outras obras experimentais importantes como Traição(Brasil, 1999), Redentor(Brasil,2004),
A Mulher do Meu Melhor Amigo(Brasil.2008) e A Mulher
Invisível(Brasil,2009) . Eu
lembro bem de ter assistido na telona na época do lançamento e fiquei bastante
surpreendido com esta inusitada estética que o diretor trabalhou na obra de ficção científica com toques de comédia e
drama. Coisa que normalmente não é muito familiar aos brasileiros, principalmente nas telenovelas já que somos
um país muito desigual onde temos um governo que pouco investe no ensino. E
para quem sonhar em fazer carreira na ciência, sofre pela falta de verba do
governo. Uma lástima. Ao revisita-lo na Netflix pude ver que ele envelheceu bem,
principalmente ao tratar da questão ética por parte da ciência e suas
consequências que a ganância pode trazer, principalmente numa invenção que mexe
com viagem no tempo. E que existe limites para o homem ficar brincando de Deus.
Bem dosado entre a comédia e o drama.
Por
mexer com viagem no tempo, o filme apresenta alguns furos de roteiro como
ocorre também nas megaproduções de Hollywood que quando você imerge na história
nem repara como o fato do protagonista roubar um carro de um casal no passado
de 1991, por exemplo.
Há
criticas mistas que o acham bastante pasteurizado, muito americanizado, não
parece muito jeito de filme brasileiro principalmente pela estética de ficção
cientifica. A mesma é a que fica dando valor as comédias banais popularescas achando
a coisa mais primorosa do mundo com aquelas formulas baratas de risada fácil
mostrando o brasileiro esperto malandro. E não entendeu as sutilidades da
abordagem do texto que é muito cheio complexo e didatismo, que não estamos
habituados a prestigiar. E não tenham reparado que, por exemplo, as principais características
que o filme bem reflete sobre o Brasil está em João pegando verbas sem a autorização
e ele reclamar de trabalhar como escravo dentro da universidade. E o próprio
refletir a profissão de docente no Brasil. Coisa que pelo que parece não foram
muito notadas pelos experts. Achando que uma abordagem dessa obra muito elitizada não simboliza o reflexo do Brasil.
Enfim,
O Homem do Futuro trata-se de uma obra magnífica bem fora dos
padrões de produção brasileira, com um brilhante texto cômico cheio de
complexidades didáticas cujo teor não é
para qualquer um entender, bem numa pegada mais nerd sobre
universo cientifico de viagem no tempo. Ao contrário das comédias
mais popularescas que retratam bem o
estereótipo do brasileiro malandro que quer se dar bem a qualquer custo.
Com um elenco brilhante de peso, só tem feras.
Que representaram bem a boa construção e
desenvolvimento dos seus personagens. Wagner Moura como protagonista João
desempenhou brilhantemente o papel com todas as camadas do personagem,
principalmente dele vivendo em constante conflito com ele mesmo, como podemos bem perceber nas suas diferentes
versões com que ele se depara: Como o João do passado de 1991 trabalhou perfeitamente
o jeito bem abobalhado, imaturo e ingênuo falando gago. Já na versão do João no presente de 2011, representou bem a sua versão de professor universitário que
carrega todas as frustações daquela noite em que foi humilhado e foi abandonado
pelo seu amor. E na versão do João de um futuro alternativo
modificado por ele, representou bem a camada mais dramática e melancólica dele
vendo as consequências da decisão que tomou ao modificar seu passado, onde
conquistou o que queria que era rico, bilionário com o seu invento, no entanto
viu pagar um alto preço de viver solitariamente por trás de todo o glamour e da
riqueza, que o tornou um cara frio e insensível. Um ótimo gênio da ciência, mas
que sempre vivia atormentado por este acontecimento, criando assim seus
demônios internos. Alinne Moraes como a Helena ficou excelente
representou as diferentes camadas dela em cena, a tipo estereotipo do mulherão
sonho erótico de qualquer nerd, mostrando
bem que amava sim João do jeito
que ele era, mas por uma armação do canalha do Ricardo que o humilhou na frente
de todo mundo, ela o abandonou e seguiu carreira de modelo por imposição do
Ricardo. Gabriel Braga Nunes como o Ricardo representou brilhantemente o
papel desse sujeito playboy, mau
caráter, que por trás daquela posse de galã de TV era um sujeito podre,
nojento, que não media esforços para
conquistar o objetivo ganancioso de
separar Helena de João para transforma-la numa modelo internacional a vendendo
para um agente espanhol. Também merece menção as partições de Maria Luiza
Mendonça como Sandra que fez uma excelente representação cômica dela bastante
afetada. Outra menção importante do elenco vai para Fernando Ceylão que ficou excelente como o
Otávio, o alivio cômico, parceiro de João desde dos tempos da faculdade e seu colaborador
no projeto, além de desempenhar bem na comédia ficou óitmo também no drama.
Fora também algumas participações especiais. Como a de Gregório Duvivier,
humorista que integra o grupo humorístico da internet Porta dos Fundos como um sujeito andando na
rua em 1991 com quem João pede informação. Rodolfo Botino, ator que acompanhei
mais mostrando seus dotes culinários quando apresentava um programa chamado UD
Gourmet no canal de vendas Shoptime aparece no filme como um barman nessa obra
que foi seu último trabalho, ele faleceu meses depois do lançamento em 11 de
Dezembro de 2011, após enfrentar uma batalha contra o HIV. Daniel Uemura como o
hacker Sushi também esteve incrível naquele estereotipo nerd. E vale mencionar
também a participação gringa do franco-argentino Jean-Pierre Noher como o Mayer,
o agente espanhol a quem Ricardo apresenta Helena para se sua modelo e fazer
carreira internacional.
Também
juntando ao ótimo design de produção dos bons efeitos especiais ocasionados
pelas viagens no tempo colocaram bem uma estética futurista na obras, e as
locações feitas entre São Paulo e Rio de Janeiro, a excelente com os adereços
bem retrô que bem rementem ao começo dos
anos 1990, que é bem explorado com uma estética vintage. Fora também a trilha musical perfeita como a
canção Tempo Perdido do Legião Urbana representada no filme pelos
protagonistas ficou simplesmente
incrível. Fora também a música By My Side da banda australiana INXS tocando ao fundo nas cenas de
amor entre João e Helena no Baile a Fantasia que estava entre as mais tocadas
nas rádios da época. Fora também a produção musical do Lucas Raele que
trabalhou uns toques de música de sintetizador que bem criou a atmosfera de
ficção cientifica.
No
Balanço Geral, posso concluir que O Homem do Futuro trata-se de uma obra cinematográfica brasileira que pode ser bem agradável para quem gosta
de uma estética mais experimental como essa abordando ficção cientifica com a complexidade mais reflexiva
da viagem no tempo coisa que não temos
muito o hábito de trabalhar, fugindo um pouco dos padrões e das fórmulas
baratas e mais popularescas das comédias
suburbanas, com temáticas banais e escrachas com ares novelescos como estamos
acostumados a ver em nossas produções.
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