PARA
LEMBRAR OS 30 ANOS SEM CAZUZA. UMA CRÍTICA DA SUA CINEBIOGRAFIA.
No
dia 07 de Julho de 1990, partia para o plano espiritual o cantor Agenor de
Miranda Araújo Neto, artisticamente conhecido como Cazuza(1958-1990). Então na época precocemente
com 32 anos vitimado pela AIDS. Em
memória dos 30 anos de sua morte, irei comentar e analisar sobre a
cinebiografia Cazuza-O Tempo Não Para(Brasil, 2004).
Nascido no Rio de Janeiro em uma
família de classe média alta. Cazuza era filho único
do produtor fonográfico João Araújo(1935-2013) com a cantora Lucinha
Araújo de quem foi daí que ele herdou a paixão pela música a ponto dele
resolver construir uma carreira artística.
Antes
de se lançar na carreira artística, ele já era chamado de Cazuza desde criança, palavra muito usada no
Nordeste como sinônimo de moleque, já que sua família carregava umas raízes
nordestinas. Prova disso, existe um
livro infanto juvenil pouco conhecido de muitos brasileiros com o título de Cazuza, de autoria do maranhense Viriato
Correa(1884-1967), publicado em 1938,
que escreveu uma história bastante intimista sobre sua infância escolar
com o seu protagonista o Cazuza que dá título à obra.
De
tanto ser chamado por esse apelido que na escola tinha dificuldade de atender a
chamada do professor pelo seu nome de batismo.
Em
meus 35 anos de vida, não tive o privilégio de acompanhar a carreira meteórica
dele, visto que quando eu nasci ele já estava bombando e quando ele morreu, eu
era muito criança estava com apenas cinco anos e como qualquer criança dessa
idade que eu tinha na época ouvia as
músicas de Xuxa, Sérgio Mallandro, Trem da Alegria, Mara Maravilha, Angélica
dentre outros. Eu cresci ouvindo muitas
boas referências dele como cantor e toda a aura de glorificação em torno dele,
principalmente pelo trabalho social que sua mãe Lucinha fazia com crianças e
jovens portadores da AIDS com a ONG Viva Cazuza, que ela fundou junto de seu
marido João depois que Cazuza morreu e principalmente quando lá para 1997 foi
publicado a biografia Cazuza-Só as mães são felizes escrito pela jornalista Regina Echeverria com
depoimento de sua mãe Lucinha.
Eu
só fui ter a dimensão da importância de como Cazuza foi mais do que um talento
musical, mas também um cantor importante para sua geração após conferir ao
filme biográfico Cazuza-O Tempo Não Para lançado em 2004.
O
filme contou com a direção de dois
diretores: Sandra Werneck e Walter
Carvalho, cuja base para o roteiro foi
no livro biográfico Cazuza-Só as Mães são Felizes. Como já
mencionado acima, que foi adaptado por Fenando Bonassi e Victor Navas, com
produção de Daniel Filho e coprodução da Globo Filmes.
O
filme retratou a história de sua meteórica carreira artística a partir do ponto que mostra ele se preparando
para encenar no Circo Voador uma peça teatral Pára-quedas no coração com a Companhia Asdrúbral Trouxe o Trombone que
marcou bastante o cenário teatral do Brasil nos anos 1980 por suas obras
satíricas, ácidas, transgressoras e de muita crítica social, como uma ótima
forma de escapismo para um momento bem delicado que o Brasil estava passando ao
entrar na transição do fim da Ditadura Militar para entrar no Governo Civil da
Nova República. Naquele momento em que o Brasil entrava na década de 1980
esperando por uma grande mudança depois que o recém-empossado Presidente da
República João Batista Figueiredo(1918-1999) havia decretado Anistia em 1979 aos
exilados e presos políticos e começou uma nova reestrutura do cenário político
brasileiro esperando adotar as eleições diretas para presidente, foram surgindo
novos partidos políticos e a inflação
começou a estourar que fez a década de 1980 ficar marcada como “A Década
Perdida”. Em nenhum momento da
obra foi mostrado como era sua infância em casa, principalmente na convivência
que tinha com outros artistas que visitavam o seu pai, um influente produtor
musical que chegou a presidir um dos mais importantes selos fonográficos
brasileiros, a da gravadora Som Livre. Também não foi mostrada na obra a passagem dele na escola, onde lá conviveu com o futuro jornalista da Rede Globo Pedro
Bial que foi seu colega de turma, com quem protagonizou um causo curioso de ao
fazerem um trabalho escolar de entrevistar o poeta e cantor Vinicius de
Morares(1913-1980) eles saíram de lá bastante de pileque de tanto beberem uísque que ele ficava os oferecendo.
Esta
falta é compensada pela maneira como foi construindo e moldando a personalidade
do Cazuza como artista e como ser humano no mote do enredo. Logo depois dessa
passagem pelo circo voador, temos ele sendo integrado a banda de rock
brasileira Barão Vermelho onde virou o vocalista.
O
Barão Vermelho foi um importante conjunto musical que foi o expoente junto de
outras bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Kid Abelha
dentre outras bandas e artistas surgidos na época que tocavam o rock com uma
sonoridade estética influenciada pela musicalidade que estava em alta
internacionalmente como o Rock Progressivo, a New Wave, o Punk e a sonoridade
moderna do sintetizador que inspirou a estética de sonoridade deles trazendo
uma letra de ferrenho tom crítico e transgressora naquele momento em que o Brasil estava passando por uma
importante transformação no seu cenário político, onde também passávamos pela
grande crise econômica da inflação em
alta.
Numa
época em que também a música ganhava uma
roupagem mais moderna, inovadora e revolucionária. Ganhando formas e cores com
a popularização do videoclipe que já era um recurso antes usados pelos filmes
musicais e por outros artistas musicais, onde os Beatles foram os pioneiros nos
anos 1960. Mas foi nos anos 1980 que a
popularização deles ficou mais evidenciado, isso porque foi nessa época, mais
precisamente em 1981 que estava surgindo nos EUA uma emissora com programação
100% musical chamada de MTV. Que naquela época pré-mídia digital, foi
importante para ajudar a facilitar na divulgação de artistas que estavam
começando a se lançarem na indústria fonográfica sem depender de tanta
burocracia. Que antes disso, a maioria dos artistas penavam em conseguirem o interesse das
gravadoras e tinham de se sujeitarem aos esquemas de mandos e desmandos dos jabás envolvendo os acordo das gravadoras com as emissoras de rádio e TV para poderem terem
seus trabalhos divulgados nesses meios.
E
já houve casos aqui no Brasil de muitos artistas que já se revoltaram contra esse sistema adotado pelas gravadoras com as empresas de rádio e TV como
Tim Maia(1942-1998) e Lobão.
Muito
disso, também influenciou no tipo de sonoridade que Cazuza imprimiu em sua
passagem pelo Barão Vermelho e logo após se lançar em carreira solo. Cuja
passagem como filme bem retratou não foi lá as mil maravilhas. A prova disso
são as diferentes cenas mostrando ele ás turras e dando muitos pitís com Roberto Frejat durante os
ensaios da banda e depois dele resolver seguir em carreira solo e este passar a
assumir os vocais da banda em seu lugar a partir daí. Aliás, há de se colocar que o filme bem
apresentou como Cazuza, por trás do talentoso e perfeito artista tão
glorificado, tão mitificado por muitos apreciadores de música de
qualidade. Era em contraste um ser humano imperfeito, com uma personalidade difícil de lidar, com um estilo
de vida desregrado, porra louca, adorava se aventurar numas noitadas regado a
muitas bebidas e drogas. E vivia tendo aventuras sexuais com homens, e o filme mostra isso sem o menor
pudor. A sua vida louca, como ele mesmo definia numa canção, chegava ao ponto
dele preocupar constantemente seus pais. Sua mãe principalmente, como é bem
mostrado numa cena dela o livrando da delegacia
e até mesmo seu próprio pai, que no inicio não aprovava ele fazer carreira na música, por conhecer
bem aquele meio onde trabalhava.
Foi por consequência desse estilo de vida porra louca que ele levava que resultou dele contrair a AIDS, que o
filme retratou essa passagem de uma forma muito chocante dele ao saber do
resultado tenta se jogar no mar para se matar. Mas é acolhido pelo seu produtor e amigo pessoal Ezequiel
Neves(Emílio de Mello). Até mostrar os momentos finais de sua vida de uma forma
muito tocante.
Os
dois diretores fizeram um trabalho muito crível nesse filme, numa época
posterior a retomada da produção cinematográfica brasileira que teve seu começo
a partir da segunda metade dos anos 1990, cujo ponto de partida é a partir de Carlota
Joaquina-A Rainha do Brasil (Brasil, 1995).
Num
trabalho muito impecável de closes de câmeras, de fotografia, de figurinos e
caracterizações que imprimiu uma ótima estética vintage a obra. Fora também o
brilhante desempenho de elenco, que contou com muitas feras estelares como Daniel de Oliveira protagonizando o Cazuza esteve
excelente representando o Cazuza em suas diferentes facetas, tanto como o
brilhante artista que era, cheio dos perfeccionismos, principalmente nas cenas
que mostram ele nos bastidores das produções do seu disco e das suas brigas e pitís com seus companheiros do Barão Vermelho, das
loucuras que ele vivia fazendo nas noitadas com suas orgias com homens. Onde
ele mostrou ser bastante desinibido de fazer uma cena de beijo seminu com outro
homem. Moldando e retratando bem a figura de um ser humano imperfeito que era.
Além de ter ficado bem caracterizado como ele tanto quanto estava no auge do
sucesso com porte de galã quanto após
ter emagrecido muito para ficar com a aparência fraca e desnutrida que ele tinha quando ficou
aidético.
O
elenco estelar também contou com as
participações de Marieta Severo que ficou incrível no papel de Dona Lucinha,
mãe do Cazuza. Representou bem a figura dela como toda mãe ficava preocupada e
zelosa com o filho, principalmente Cazuza sendo seu único
filho que levava um estilo de vida bastante desregrado. Além dela ser bastante
parecida com a Lucinha real, dando um tom bastante real.
Reginaldo
Faria também é outro que esteve incrível na pele de João Araújo, pai do Cazuza.
Um cara que também vivia preocupado com ele pelo seu estilo de vida desregrado e por conhecer bem o ramo fonográfico, não dava
muito inicialmente força para ele seguir na carreira e dos melhores momentos em
que ele fez uma ótima representação é na cena onde ele irritado com Cazuza
aidético com más companhias e os mandam irem embora.
Também
merece menção desse elenco, Emilio de Mello que ficou incrível na pele do
Ezequiel Neves(1935-2010). Importante nome
por trás do sucesso do Barão Vermelho na década de 1980 e que mantinha
uma profunda relação de amizade com ele, chamado intimamente de Zeca e foi autor de algumas canções de
sucesso e que morreria coincidentemente na mesma data que lembrava os 20 anos
da morte de Cazuza em 07 de Julho de 2010 com 74 anos após batalhar contra um
câncer. No filme, foi bem mostrado a profunda relação de camaradagem que os
dois tinham, que não envolvia nenhum interesse sexual.
O
elenco também contou com as participações de Cadu Fávero como Roberto Frejat, o
companheiro de Cazuza em sua passagem pelo Barão Vermelho e que assumiu os
vocais da banda após sua saída da banda. Onde foi mostrado as diferentes
facetas como os dois nutriam uma
verdadeira relação fraternal principalmente para se aventurarem nas
farras, com os outros integrantes. Se embebedando, com orgias e drogas, muitas
drogas. Ao mesmo tempo que também retratava, que nem sempre o relacionamento deles era um mar de rosas em contraste a perfeição
deles como como talentosos cantores.
Principalmente ao retratar o quão conturbado eram as constantes brigas
homéricas que eles viviam durante os ensaios da banda.
E
de Leandra Leal representando no filme a cantora Bebel Gilberto, filha do casal
de cantores João Gilberto(1931-2019) e Miúcha(1937-2018). Na obra ela
representou bem o lado parceira e amiga do Cazuza, principalmente ao acompanhar
uma engraçada cena onde eles cantam junto a criação da canção Preciso
dizer que te amo num sitio onde ele dá uma sumida e depois aparece
repentinamente cantando canção de forma diferente. Mostrando bem como Cazuza tinha um perfil muito excêntrico para
criar suas canções, junto com seu estilo de vida anárquico, desregrado, transgressor, porra louca, farrista, beberrão, que adorava
curtir umas orgias com homens que lhe resultou de contrair uma doença
sexualmente transmissível que fez ele morrer muito precoce. Calando de vez, uma
importante voz da música brasileira símbolo de sua geração que dizia tudo o que estava entalado ao
criticar os problemas do Brasil e seu
sistema político corrupto. Canções cujas
letras são bem atemporais, e que
envelheceram bem. Podem passar 100, mil anos e elas continuaram refletindo os problemas
do Brasil e seu falho sistema político.
No
Balanço Geral, posso descrever que Cazuza-O Tempo Não Para, é uma
obra bastante atemporal. Que reflete bastante sobre a trajetória de um
importante cantor brasileiro com uma
carreira meteórica de sucesso que teve um precoce fim trágico vitimado por uma doença
sexualmente transmissível como a AIDS. Que naquela época tinha sido
recém-descoberta, e por ser recém-descoberta as informações eram muito escassas,
gerando uma série de preconceitos em relação a quem foi contaminado. Ela ainda
não tem cura, mas depois de passados 40 anos já foi desenvolvido uns coquetéis
que dão longevidade ao aidético. Coisa que quando Cazuza na época contraiu esta
doença ainda não foram desenvolvidas. Fora que como Cazuza sempre foi muito
reservado em relação a sua vida pessoal, não assumia publicamente
enquanto estava vivo sua homo afetividade, com medo do preconceito
aumentar ainda mais. Já que até então quando a doença foi descoberta foi
assimilada a comunidade LGBT+. O
preconceito então era em dobro.
Nesse
atual momento onde o mundo anda apavorado pela pandemia do corona vírus, famosa
COVID-19, que tem infectado muita gente
e causado uma grande paralisação no mundo todo gerando grandes prejuízos
humanos. Infectando e matando incontáveis vidas, que chegam a serem difíceis de
fechar a conta das estáticas e sobrecarregando o nosso sistema de saúde. Conferir esta obra biográfica sobre um
importante artista musical que teve sua ceifada por uma então recém-descoberta
doença sexualmente transmissível que ainda hoje gera tabus, ela mostra-se mais
do que necessária de ser conferida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário