No dia 11 de Setembro de 1973, o Chile acordava do maior pesadelo em sua história política. Esse dia simbolizou o ínicio de uma das datas mais trágicas da história do país, assim como simbolizou para os americanos quase 30 anos depois em Nova York numa triste manhã de terça-feira de 2001 quando dois aviões apareceram na cidade e se chocaram nos dois maiores prédios do mundo, as Torres Gêmeas do World Trade Center, a mando de grupos terroristas islãmicos. O Chile viveu uma situação parecida como essa quarenta anos atrás, também testemunhou o seu céu se encher de aviões que simbolizavam a chegada de uma nova era política, com o ínicio regime ditatorial do General Augusto Pinochet(1915-2006), que comandaria o país a mãos de ferro por longos 17 anos.
Para lembrar essa data nada melhor do que minha indicação de um bom filme chileno que transmiti uma excelente reconstituição desse trágico episodio no Chile, sendo carregado de uma visão que mostra um retratato dos antecedentes ao Golpe Militar de Pinochet, não mostrando os bastidores do meio político, mas sim pelo ponto de vista de dois cidadãos comuns, melhor dizendo, a ótica de dois garotos.
O filme em questão no qual estou me referindo chama-se "Machuca".
O interessante longa-metragem de 2004, dirigido por Andrés Wood, que no ano passado eu tive o privilégio de conferi-lo numa sessão alternativa de cinema no antigo auditório da Livraria PotyLivros do Praia Shopping no projeto Café com Cinema que costumava exibir interessantes filmes cabeças. Então organizado por Antonino Cordorelli. A trama do filme gira em torno de mostrar como era vida rotineira da população da capital chilena Santiago nos dias, semanas ou mesmo meses que antecederam ao Golpe, e como descrito acima é mostrado pela ótica de duas crianças que simbolizam as realidades contrastantes do país, assim como no Brasil.
O primeiro a ser apresentado é Gonzalo um garoto representante da família de classe-média alta santiaguina, que é estudante do conceituado Colégio Saint Patrick. Cuja maioria de alunos inscritos são que nem ele, todos de famílias que representam a elite chilena, um contraste para um país até então comunista governado por Salvdor Allende(1908-1973) e ainda mais curioso é o fato de ser ensinado a língua inglesa, idioma que representa o domínio capitalista e sendo dirigido por um religioso de sotaque inglês chamado Padre McEnroe, que havia assumido aquele cargo por nomeação do Governo de Allende. Mostrando que pelo menos no Chile de Allende, a ideologia socialista na prática não tinha idéias tão radicais a ponto de romper com a Igreja e nem muito menos criar barreiras de conhecimento na educação de qualidade com o ensino da lingua universal simbolo do capitalismo, inclusive mantendo o funcionamento de uma escola privada.
Portanto, há de se deduzir que será nesse contexto que o filme vai transmitir como foi o Golpe Militar de Pinochet pelo ponto de vista dos próprios chilenos. Vai ser na mesma escola Saint Patrick que para grande surpresa do Gonzalo, o Padre vai apresentar como novos alunos inscritos, um grupo seleto de garotos das favelas do país, entre eles está o protagonista-homônimo Pedro Machuca.
O mais curioso na ocasião em que fui conferir ao filme, é que
semanas antes,
eu havia acompanhado na televisão um noticiário em que no Chile da
contemporaneidade, um grupos de manifestantes fizeram protestos contrário
a veiculação de um filme-documentário que retratava a trajetória de Pinochet por uma
visão bastante tendenciosa, o endeusando, como uma espécie de herói a
quem as elites inconformadas com o modelo econômico e politco socialista
caótico de Allende, o colocaram para salvar o país daquela calamidade,
isso porque há alguns chilenos que tem a opinião favoravel ao governo
de Pinochet, e outros contrários. Mostrando o quanto que esse acontecimento para boa parte da população ainda é uma ferida não cicratizada para a maioria do povo do Chile. Uma das "Veias Abertas da América Latina"*.
Mesmo "Machuca" sendo o protagonista-homônimo do longa, o ponto de vista que eu pude sentir e isto inclusive foi discutido logo após o fim da sessão, é que ao longo de como o enredo vai sendo costurado e conduzido pode ser notado que a ótica mais prevalecente é de Gonzalo.
E também ao longo da construção da estética trama pode ser notado a abordagem do tema de uma forma não muito sutil, numa linguagem sucintamente carregada com umas pitadas de liberdades poéticas mesclado a outros elementos cinematográficos entre o peso de um drama e a leveza de um filme de comédia cujas situações são provocadas pelas ações alienadas de Gonzalo, a reconstrução de todo o contexto histórico pela visão de dois indivíduos que representam as diferentes camadas sociais do país.
De um lado há a visão do Machuca, o menino que representa a camada social proletária do país, vivendo nas periferias, portanto, ele representa a população marginalizada do país descendente dos indigenas. Como dito acima ele se inscreve na escola na conceituada Escola Saint Patrick junto com outros garotos vindos das favelas como ele, graças a um programa adotado pelo governo de Allende e que este resolveu colocar em prática ao "resolver aplicar no colégio uma política que permite o ingresso na instituição de alunos pobres."** Ele é um garoto que demonstra ter uma forte personalidade, e isso fica evidente em umas cenas em que mostra ele na escola reagindo agressivamente aos bullyings praticado pela maioria dos colegas riquinhos, mostrando saber bem como se defender. É também apresentado a maneira como ele participa dos engajamentos políticos em um momento de clima tenso no país. O menino Machuca parece até criar uma imagem arquetipa um tanto quixotesca da figura do menino pobre consciente da sua condição numa realidade sem máscara e bem esclarecido e isso fica bem evidente numas cenas onde mostra ele participando das diferentes manifestações contrárias e a favor do Governo Allende onde acompanhado de um "tio" e de sua companheira Silvana vendendo as bandeirinhas e ao mostrar o lugar onde mora, numa casa bem simples bem desconfortável, sem saneamento básico vivendo só com a mãe e uma irmã menor, sem a presença que aparece numa cena todo embriagado e violentando a mãe do garoto e este o apresenta para Gonzalo, que se tornar o único garoto do colégio com quem tanto um quanto outro criam uma forte afeição fraternal, talvez porque Gonzalo tenha criado uma forte identificação com Machuca pelo fato de que ele também era vítima de bullying no Colégio e isso vai ficando mais evidente a medida que os colegas ao perceberem a tamanha proximidade entre eles os provocam com brincadeiras insinuosas de que eles teriam interesses afetivos que conotassem que seriam provalvemente gays?
Já o Gonzalo apesar de representar a camada mais elitizada do país, está mais contextualizado com a realidade, não que o protagonista-homônimo seja distante da realidade, mas tipo o que não só a meu ver mas pelo que também foi colocado durante a discussão que após a sessão desse filme no auditório da Livraria PotyLivros no Praia Shopping, o que pode ser sentido de mais evidente que o Gonzalo represente mais realidade é a maneira como ele carrega uma personalidade oposta ao do Machuca, não é um garoto de personalidade forte, demonstra ser bastante alienado e isso fica evidente quando ele é impulsionado pelo Machuca a entrar nas manifestações sem entender direito, essa sua personalida o torna um tanto apolítico. O fato de Gonzalo ser o gancho para a condução da história e não o Machuca pode estar talvez na maneira dele representar a típica imagem do garoto que como qualquer vive numa grande crise existencial principalmente nesse contexto histórico do Chile onde vivendo num ambiente familiar muito mascarado pelas aparências onde os país dele de uma maneira um tanto distorcida tentam se manter as aparências de uma família perfeita, mas escondem do Gonzalo que não estão mais unidos conjugalmente, e o tempo todo escondem dele segredos, do pai há uma cena que mostra ele abrindo um depósito com materiais de revistas contrabandeadas deixando dúvida se ele enriquecia de maneira ilícita, o que sugere que ele deve figurar como uma espécie de intermediador do mercado negro. Quanto a mãe ela dá a conotação de ser uma adultera, e tem como amante um senhor chamado Roberto, que representa aquela típica figura do amigo de todos e isso fica muito evidente em uma cena onde Gonzalo no momento em que estava de visita na casa deste, ao se dirigir no quarto dele para falar com a mãe do seu susto ao ver um grupo de pessoas na rua caçando cachorros, e no momento que vê Roberto abrindo discretamente a porta observa sua mãe deitada na cama dele com um lençol cobrindo o corpo dela sem roupa, sugerindo que até aquele momento eles estavam fazendo sexo. E não bastando só os país desajustados que vivem mascarando para ele uma idéia de padrão perfeito de família, o Gonzalo ainda tem uma irmã mais velha muito mais sem noção que os país, isso porque ela namora um cara drogado e beberrão, que vive a empurrando para seguir o mau caminho dele, ao ponto dela servir de mau exemplo para Gonzalo a ponto deles empurrarem um garoto fe 11 anos a experimentar, cheirar, fumar e beber, e isso fica bem evidente numa cena em que ela promove em sua casa uma festa para comemorar o seu aniversário e ele leva o Machuca como seu convidado e impulsionados pelas maluquices experimentam as drogas entorpecentes. Chegando a um momento onde mostra os dois perdendo tão cedo a inocencia e a ingenuidade quando usam essa mesma substancia para participarem de um beijo orgiástico com Silvana, a melhor amiga de Machuca na periferia onde este mora.
O que se pode concluir de "Machuca" é o fato dele criar uma concepção de como num país como o Chile de 1973, em um contexto histórico muito conturbado onde duas crianças de realidades tão distintas mostraram não terem barreiras para construirem uma amizade que acabou ficando abalada no momento onde ocorre a chegada da tão fatidica Terça-Feira, 11 de Setembro, numa cena onde mostra Gonzalo olhando passar pelos céus e espantado porque o Golpe. É dessa forma que os caminhos deles se separam. Inclusive, há uma cena onde Gonzalo quando vai visitar o local vai visitar o Machuca, e ao observar os guardas chilenos espancando e violentando ele e todos ao redor, Gonzalo fica observa sem reação, estático apático, e talvez seja por isso que quem ao assistir ao filme sinta mais identificação com Gonzalo, porque, ele ao contrário do Machuca é o tempo todo imprevísivel, bem diferente do Machuca que é sempre previsível no vigor que demonstra ao saber se defender de qualquer provocação.
Fica a impressão que quando ele age mesmo sem falar nada, pode ser sentido a ótica dele de lidar com os problemas que podem aparecer pela frente durante os trajetos da vida mostrado no decorrer do filme. Gonzalo é tão imprevísivel até mesmo na maneira como auxilia o Machuca, como numa cena eles na escola durante uma avaliação em sala de uma prova de inglês, o Machuca desesperado porque em outra escola que passou jamais tinha aprendido os conceitos de outros idioma, ele distraidamente vê não sua ser pega pelo Gonzalo que é quem preencheu para ele as frases traduzidas do espanhol para o inglês.
A prevalência da ótica dele no filme, chega a deixar a impressão de que o filme é narrado pela pessoa de Gonzalo e é ele mesmo quem constroi na figura no Machuca, a figura do único amigo que simbolizou uma figura heróica defensor dos fracos e oprimidos, como o Zorro que aparece sendo citado no filme. O filme conclui também mostrado que após instaurado o Golpe de Pinochet, não só houve mudanças trágicas no relacionamento entre Gonzalo com Machuca, como também é mostrado que no Colégio Saint Patrick ao ser tomado pelas tropas governamentais, eles destituem o Padre McEnroe do cargo da diretoria e passam a adotar uma nova metodologia de ensino e colocando de Pinochet com o intuito de convencer as crianças a praticarem o culto ao chefe, típico de um regime totalitário.
E dessa maneira posso concluir que o filme é bem indicado para se fazer muitas reflexões sob diferentes pontos de vistas, sob diferentes aspectos de a história não é feita só pelos heróis, mas também de pessoas como o Gonzalo e o Machuca.
FONTE:
http://www.interfilmes.com/filme_15192_machuca.html
http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdefilmes/1559726
http://dialogoscriativosnatal.blogspot.com.br/** http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=492
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-57037/
http://criticadearte.blogspot.com.br/2005/08/machuca.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Galeano
http://pt.wikipedia.org/wiki/Las_venas_abiertas_de_Am%C3%A9rica_Latina*
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