Finalmente
na noite de sábado, 8 de Novembro de 2025 fui conferir no Shopping Midway Mall
ao tão aguardado filme O Agente Secreto(Brasil, 2025), a mais nova
produção dirigida por Kleber Mendonça Filho, cuja expectativa era alta,
principalmente depois da sua exibição durante o Festival de Cannes em maio desse ano na qual recebeu aplausos da plateia e foi premiado.
A
expectativa era grande e pelo que pude constatar com meus próprios olhos, valeu
cada centavo.
Nessa
produção, acompanhamos a jornada de Marcelo(Wagner Moura) chegando a sua terra
natal Recife em pleno clima de Carnaval.
Ele
vai parar numa pensão de Dona Sebastiana(Tania Maria), uma senhora que cria um
gato pitoresco de duas faces, lá ele também conhece outros hospedes, que assim
como ele estão lá por outras razões.
Ele
se encontra as escondidas com seu filho Fernando que vive aos cuidados de seu
sogro Alexandre(Carlos Francisco), um projecionista do Cinema São Luiz, o popular cinema de bairro
de Recife, mesmo Marcelo retornando a sua terra natal, ele não consegue sentir
muito seguro, ainda mais quando fica
sabendo que dois agentes do Governo Militar estavam chegando a Recife vindos de
São Paulo para mata-lo a mando do empresário
Ghirotti(Luciano Chirolli).
E
Marcelo precisará correr contra o tempo em planejar junto com Elza(Maria
Fernanda Candido) um passaporte falso para fugir do país com seu filho.
Em
O Agente Secreto, o diretor Kleber Mendonça Filho soube bem como
trabalhar a sensação de desconforto, como ele já havia trabalhado antes em
outras produções de sua filmografia, como em O Som ao Redor(Brasil,2012),
que foi o primeiro longa-metragem de ficção a torna-lo renomado até internacionalmente
após dirigir o documentário Crítico(Brasil, 2008) e após ter se consolidado dirigindo
curtas-metragens ao longo dos anos 2000, como: Vinil Verde(Brasil,
2004), Eletrodoméstica(Brasil, 2005), Noite de Sexta, Manhã de Sábado(Brasil,
2006) e Recife Frio(Brasil, 2009).
Que
foi onde ele abordou o desconforto ambientado no bairro de classe média recifense de Setúbal, que foi onde ele
cresceu mostrando a rotina dos moradores que vive num lugar pouco movimentado
onde habita o silêncio, que é interrompido por qualquer barulho externo.
Em
Aquarius(Brasil, 2016) o diretor trabalhou bem a sensação do desconforto ao
contar a história da jornalista Clara(Sonia Braga) que é a única moradora do
prédio residencial Aquarius, localizado a beira-mar do Recife que resiste em permanecer morando mesmo
lidando com a ameaça de construtores que já compraram todos os 3 andares do
prédio. A ameaçando expulsa-la com os
cupins.
Uma
sutil crítica ao modelo de negócio podre
e corrupto da especulação imobiliária.
Com
Bacurau(Brasil, 2019) que ele co-dirigiu ao lado de Juliano Dorneles, o
diretor explorou bem o nível do desconforto ao mostrar a população da fictícia Bacurau,
lidando com a ameaça de supostos discos voadores que vem causando na
população, quando na verdade, foi ocasionada por um grupo miliciano dos Estados
Unidos a mando do prefeito corrupto Tony Júnior(Thardelly Lima).
Já
no documentário Retratos Fantasmas(Brasil, 2023), o diretor explora bem
o desconforto ao retratar o declínio dos cinemas de bairro do centro de
Recife que ele cresceu assistindo e
mostrando os locais abandonados que figuram como retratos fantasmas como bem o título
sugere.
Já
com o mais recente O Agente Secreto, o diretor explora bem aqui a
sensação do desconforto em relação a maneira de mostrar o seu protagonista
Marcelo retornando a sua terra natal Recife em pleno clima festivo do Carnaval de 1977,
onde no momento em que o Brasil ainda vivia aquela época repressora de Ditadura Militar.
Onde
Marcelo era um perseguido político e ao saber que está jurado de morte a
sensação de desconforto é enorme, ainda mais quando logo nas cenas iniciais
vemos o protagonista parando o carro num posto de gasolina para abastecer e ele
demonstra uma reação de espanto ao ver o cadáver de uma pessoa morta em frente
ao posto.
Sugerindo
que sua morte foi assassinato pelos militares.
Ele
também trabalha o desconforto ao usar de elementos fantasiosos como o Gato de Duas
Faces de Dona Sebastiana, a aparição de um Tubarão Enorme com uma perna
decepada no necrotério que dá origem a lenda da Perna Cabeluda que passa a
aterrorizar Recife a noite.
Tudo
isso torna a obra bastante reflexiva.
O
Agente Secreto apresenta bem essa temática um tanto cara ao
Brasil envolvendo essa vista grossa quanto a maneira como o nosso governo tratou as consequências criminosas da Ditadura
Militar, principalmente quando tomou a decisão
de anistiar torturadores a ponto deles terem vividos anos impunemente e negando os crimes das torturas e das mortes por décadas e que
só agora depois da traumática experiência que tivermos com um desgoverno de um
ex-militar com um passado criminoso de tentar praticar um atentado terrorista
contra um quartel e que era exaltado como Mito e idolatrava torturadores, fez
algumas tentativas de golpe e está sendo condenado, é que realmente entendemos
a gravidade da situação.
Quando
eu graduei no Curso de História na UNP nos anos 2000, eu convivi com um colega militar,
um senhor já falecido que tinha essa postura bem negacionista. Se você
mencionasse na frente dele o nome Ditadura
Militar, ele logo reagia dizendo que não foi. Acreditando na narrativa que
estava defendendo a segurança da nação contra a ameaça comunista com um ponto
de vista heroico. Claro que ele tinha as suas razões para ter essa postura, já que a
mente dele foi completamente institucionalizada para isso, ainda mais que
ingressou no exército bem na fase barra
pesada dos anos de chumbo e depois que se aposentou viveu um padrão de vida um
tanto confortável.
A
obra conta em seu elenco com Wagner Moura que no filme representou perfeitamente
o papel do protagonista Marcelo, ele transmiti brilhantemente em cena a
sensação do desconforto do personagem servindo como fio condutor dessa
narrativa.
Ele
consegue imprimir bem no personagem essa sensação de ao mesmo tempo que está
feliz por retornar a residir em sua Recife, mas ainda assim não se sente seguro
em relação ao fato de estar sentenciado de morte por agentes do governo
militar.
Além
dele, também brilham no filme a atriz
Tania Maria que representa no filme o papel de Dona Sebastiana, a dona
de uma pensão que o abriga, cuja interação dela com Marcelo procura dar um
certo conforto a ele na adversa situação de insegurança como uma figura
maternal, onde inclusive mostra ele trabalhando numa repartição pública para
investigar a certidão de óbito da sua mãe.
Também
brilham no filme: Carlos Francisco na pele de Seu Alexandre, o sogro do
protagonista que aqui assume uma boa função de ficar cuidando do neto Fernando e é o projecionista
do Cinema São Luiz, que foi inspirado por incrível que pareça numa pessoa real
que no caso foi Alexandre Moura que faleceu em 2002, ele aparece no
documentário Retratos Fantasmas, numa imagem de arquivo de quando Kleber Mendonça Filho
registrou os momentos finais de atividade do Cinema Art Palácio em 1992, onde o
Seu Alexandre real trabalhava.
No
documentário tem registro dele com a anedota de relembrar “que não aguentava
mais ouvir a canção-tema de O Poderoso Chefão depois de exibi-lo
tantas vezes.”
(Trecho
retirado do site AdoroCinema de 7 de Novembro de 2025).
Outros
nomes que brilham são: Maria Fernanda Cândido, que representa bem o papel da
Elza, a mulher que orienta Marcelo a fugir. Hermila Guedes brilha como Claudia,
uma colega de Marcelo na Pensão de Dona Sebastiana, com quem ele chega a manter
uma relação amorosa e procura também dá um bom suporte emocional para ele nessa
situação adversa que ele vem passando como um fora da lei procurado pelos
agentes do Governo Militar. Alice
Carvalho brilha na pele da Fátima, esposa de Marcelo que aparece num flashback,
visto que fica subentendido que ela havia morrido a mando de Ghirotti.
O
Ghirotti que é muito bem representado por Luciano Chirolli, um sujeito com um
nível de prepotência sem limites, principalmente para mandar contratar agentes
do governo para eliminar como a dupla formada por Bobbi e Augusto, muito bem representado
pelos atores Gabriel Leone e Roney
Villela.
Também
mencionar a participação internacional do alemão Udo Kier*, que mostra um ótimo
desempenho na pele do comerciante Hans, um judeu que viveu os horrores no
nazismo na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.
Outras
participações internacionais no filme são da portuguesa Isabél Zuaa e do
angolano Licínio Januário que representam o papel do casal angolano Thereza
Vitória e António que vivem na Pensão de Dona Sebastiana, fazendo companhia a
Marcelo.
Eles
são um casal que estava fugindo do cenário conflituoso de guerra civil que
estava ocorrendo em Angola, desde sua declaração de independência de Portugal,
e estavam se preparando para pedirem asilo na Suécia.
E
mencionar o ótimo apuro técnico da produção de recriar uma Recife Retrô do
final dos anos 1970. Mostrando a panorâmica da ruas com o povo dirigindo carros
como o Opala, um Fusca, uma Brasília, vestindo trajes bem típicos que eram as
modas da época e cortes de cabelos que estava na moda.
Fora
a homenagem metalinguística aos cinemas de bairro, com referências a Tubarão
(1975) e A Profecia(1976).
Num
balanço geral, a obra de O Agente Secreto é um ótimo filme thriller de suspense que usa de elementos fantasiosos
como o sobrenatural que não é jogado, está encaixado no contexto, tratando de abordar a temática sobre a
politica brasileira naquela fase final da repressão da Ditadura Militar.
Um
filme que escancara a hipócrita omissão do nosso Governo Brasileiro quantos aos crimes cometidos na Ditadura e que
agora estão sendo punidos severamente.