NUA, de Saul Dias *
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I
Nua
como Eva.
A cabeleira
beija-lhe o rosto oval e flutua;
o corpo
é água de torrente...
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Eva adolescente,
com reflexos de lua
e tons de aurora...!
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Roseira que enflora...!
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Desflorada por tanta gente...
II
Teu corpo,
mal o toquei...
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Só te abracei
de leve...
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Foi todo neve
o sonho que alonguei...
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Asas em voo,
quem, um dia, as teve?
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Os sonhos que eu sonhei!
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III
Jeito de ave
e criança,
suave
como a dança
do ramo de árvore
que o vento beija e balança!
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Nave
de sonho
no temporal medonho
silvando agoiro!
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Quem destrançou os teus cabelos de oiro?
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IV
Corpo fino,
delicado,
sereno, sem desejos...
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Tão macio,
tão modelado...
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Beijos... Beijos... Beijos...
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V
No meu sono
ela flutua
a cada passo...
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Nua,
riscando o espaço
numa névoa de outono...
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Apenas nos cabelos
um azulado laço...
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E assim enlaço
a imagem sua...
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in "Sangue"
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* pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira (Vila do Conde, 1 de Novembro de 1902 — 17 de Janeiro de 1983), poeta e artista plástico, irmão de José Régio.










