domingo, 30 de novembro de 2025

A ESPIONAGEM BRASILEIRA EM O AGENTE SECRETO(2025)

 

Finalmente na noite de sábado, 8 de Novembro de 2025 fui conferir no Shopping Midway Mall ao tão aguardado filme O Agente Secreto(Brasil, 2025), a mais nova produção dirigida por Kleber Mendonça Filho, cuja expectativa era alta, principalmente depois da sua exibição durante  o Festival de Cannes em maio desse ano  na qual recebeu aplausos da plateia e  foi premiado.




A expectativa era grande e pelo que pude constatar com meus próprios olhos, valeu cada centavo.

Nessa produção, acompanhamos a jornada de Marcelo(Wagner Moura) chegando a sua terra natal Recife em pleno clima de Carnaval.



Ele vai parar numa pensão de Dona Sebastiana(Tania Maria), uma senhora que cria um gato pitoresco de duas faces, lá ele também conhece outros hospedes, que assim como ele estão lá  por outras razões.




Ele se encontra as escondidas com seu filho Fernando que vive aos cuidados de seu sogro Alexandre(Carlos Francisco), um projecionista  do Cinema São Luiz, o popular cinema de bairro de Recife, mesmo Marcelo retornando a sua terra natal, ele não consegue sentir muito seguro, ainda mais quando  fica sabendo que dois agentes do Governo Militar estavam chegando a Recife vindos de São Paulo para mata-lo a mando do empresário  Ghirotti(Luciano Chirolli).




E Marcelo precisará correr contra o tempo em planejar junto com Elza(Maria Fernanda Candido) um passaporte falso  para fugir do país com seu filho.




Em O Agente Secreto, o diretor Kleber Mendonça Filho soube bem como trabalhar a sensação de desconforto, como ele já havia trabalhado antes em outras produções de sua filmografia, como em O Som ao Redor(Brasil,2012), que foi o primeiro longa-metragem de ficção  a torna-lo renomado até internacionalmente após dirigir o documentário Crítico(Brasil, 2008)  e após ter se consolidado dirigindo curtas-metragens ao longo dos anos 2000, como: Vinil Verde(Brasil, 2004), Eletrodoméstica(Brasil, 2005), Noite de Sexta, Manhã de Sábado(Brasil, 2006) e Recife Frio(Brasil, 2009).




Que foi onde ele abordou o desconforto ambientado no bairro de classe  média recifense de Setúbal, que foi onde ele cresceu mostrando a rotina dos moradores que vive num lugar pouco movimentado onde habita o silêncio, que é interrompido por qualquer barulho externo.




Em Aquarius(Brasil, 2016) o diretor trabalhou bem a sensação do desconforto ao contar a história da jornalista Clara(Sonia Braga) que é a única moradora do prédio residencial Aquarius, localizado a beira-mar do Recife  que resiste em permanecer morando mesmo lidando com a ameaça de construtores que já compraram todos os 3 andares do prédio.  A ameaçando expulsa-la com os cupins.




Uma sutil crítica ao modelo de negócio  podre e corrupto  da especulação imobiliária.

Com Bacurau(Brasil, 2019) que ele co-dirigiu ao lado de Juliano Dorneles, o diretor explorou bem o nível do desconforto ao mostrar a população da fictícia Bacurau, lidando com a ameaça de supostos discos voadores que vem causando na população, quando na verdade, foi ocasionada por um grupo miliciano dos Estados Unidos a mando do prefeito corrupto Tony Júnior(Thardelly Lima).




Já no documentário Retratos Fantasmas(Brasil, 2023), o diretor explora bem o desconforto ao retratar o declínio dos cinemas de bairro do centro de Recife  que ele cresceu assistindo e mostrando os locais abandonados que figuram como retratos fantasmas como bem o título sugere.

Já com o mais recente O Agente Secreto, o diretor explora bem aqui a sensação do desconforto em relação a maneira de mostrar o seu protagonista Marcelo retornando a sua terra natal Recife  em pleno clima festivo do Carnaval de 1977, onde no momento em que o Brasil ainda vivia aquela  época repressora de Ditadura Militar.




Onde Marcelo era um perseguido político e ao saber que está jurado de morte a sensação de desconforto é enorme, ainda mais quando logo nas cenas iniciais vemos o protagonista parando o carro num posto de gasolina para abastecer e ele demonstra uma reação de espanto ao ver o cadáver de uma pessoa morta em frente ao posto.

Sugerindo que sua morte foi assassinato pelos militares.




Ele também trabalha o desconforto ao usar de elementos fantasiosos como o Gato de Duas Faces de Dona Sebastiana, a aparição de um Tubarão Enorme com uma perna decepada no necrotério que dá origem a lenda da Perna Cabeluda que passa a aterrorizar Recife a noite.

Tudo isso torna a obra bastante reflexiva.

O Agente Secreto apresenta bem essa temática um tanto cara ao Brasil envolvendo essa vista grossa quanto a maneira como o nosso governo  tratou as consequências criminosas da Ditadura Militar, principalmente quando tomou a decisão  de anistiar torturadores a ponto deles terem vividos anos  impunemente e negando os crimes  das torturas e das mortes por décadas e que só agora depois da traumática experiência que tivermos com um desgoverno de um ex-militar com um passado criminoso de tentar praticar um atentado terrorista contra um quartel e que era exaltado como Mito e idolatrava torturadores, fez algumas tentativas de golpe e está sendo condenado, é que realmente entendemos a gravidade da situação.

Quando eu graduei no Curso de História na UNP nos anos 2000, eu convivi com um colega militar, um senhor já falecido que tinha essa postura bem negacionista. Se você mencionasse na frente dele  o nome Ditadura Militar, ele logo reagia dizendo que não foi. Acreditando na narrativa que estava defendendo a segurança da nação contra a ameaça comunista com um ponto de vista heroico. Claro que ele tinha as  suas razões para ter essa postura, já que a mente dele foi completamente institucionalizada para isso, ainda mais que ingressou no exército bem na  fase barra pesada dos anos de chumbo e depois que se aposentou viveu um padrão de vida um tanto confortável.

A obra conta em seu elenco com Wagner Moura que no filme representou perfeitamente o papel do protagonista Marcelo, ele transmiti brilhantemente em cena a sensação do desconforto do personagem servindo como fio condutor dessa narrativa.  

Ele consegue imprimir bem no personagem essa sensação de ao mesmo tempo que está feliz por retornar a residir em sua Recife, mas ainda assim não se sente seguro em relação ao fato de estar sentenciado de morte por agentes do governo militar.

Além dele, também brilham no filme a atriz  Tania Maria que representa no filme o papel de Dona Sebastiana, a dona de uma pensão que o  abriga,  cuja interação dela com Marcelo procura dar um certo conforto a ele na adversa situação de insegurança como uma figura maternal, onde inclusive mostra ele trabalhando numa repartição pública para investigar a certidão de óbito da sua mãe.

Também brilham no filme: Carlos Francisco na pele de Seu Alexandre, o sogro do protagonista que aqui assume uma boa função  de ficar cuidando do neto Fernando e é o projecionista do Cinema São Luiz, que foi inspirado por incrível que pareça numa pessoa real que no caso foi Alexandre Moura que faleceu em 2002, ele aparece no documentário Retratos Fantasmas, numa imagem de  arquivo de quando Kleber Mendonça Filho registrou os momentos finais de atividade do Cinema Art Palácio em 1992, onde o Seu Alexandre real trabalhava.

No documentário tem registro dele com a anedota de relembrar “que não aguentava mais ouvir a canção-tema de O Poderoso Chefão depois de exibi-lo tantas vezes.”

(Trecho retirado do site AdoroCinema de 7 de Novembro de 2025).

Outros nomes que brilham são: Maria Fernanda Cândido, que representa bem o papel da Elza, a mulher que orienta Marcelo a fugir. Hermila Guedes brilha como Claudia, uma colega de Marcelo na Pensão de Dona Sebastiana, com quem ele chega a manter uma relação amorosa e procura também dá um bom suporte emocional para ele nessa situação adversa que ele vem passando como um fora da lei procurado pelos agentes do Governo Militar.  Alice Carvalho brilha na pele da Fátima, esposa de Marcelo que aparece num flashback, visto que fica subentendido que ela havia morrido a mando de Ghirotti.

O Ghirotti que é muito bem representado por Luciano Chirolli, um sujeito com um nível de prepotência sem limites, principalmente para mandar contratar agentes do governo para eliminar como a dupla formada por Bobbi e Augusto, muito bem representado  pelos atores Gabriel Leone e Roney Villela.

Também mencionar a participação internacional do alemão Udo Kier*, que mostra um ótimo desempenho na pele do comerciante Hans, um judeu que viveu os horrores no nazismo na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.

Outras participações internacionais no filme são da portuguesa Isabél Zuaa e do angolano Licínio Januário que representam o papel do casal angolano Thereza Vitória e António que vivem na Pensão de Dona Sebastiana, fazendo companhia a Marcelo.

Eles são um casal que estava fugindo do cenário conflituoso de guerra civil que estava ocorrendo em Angola, desde sua declaração de independência de Portugal, e estavam se preparando para pedirem asilo na Suécia.

E mencionar o ótimo apuro técnico da produção de recriar uma Recife Retrô do final dos anos 1970. Mostrando a panorâmica da ruas com o povo dirigindo carros como o Opala, um Fusca, uma Brasília, vestindo trajes bem típicos que eram as modas da época e cortes de cabelos que estava na moda.

Fora a homenagem metalinguística aos cinemas de bairro, com referências a Tubarão (1975) e A Profecia(1976).

Num balanço geral, a obra de O Agente Secreto é um ótimo filme thriller  de suspense que usa de elementos fantasiosos como o sobrenatural que não é jogado, está encaixado no contexto,  tratando de abordar a temática sobre a politica brasileira naquela fase final da repressão da Ditadura Militar.

Um filme que escancara a hipócrita omissão do nosso Governo Brasileiro  quantos aos crimes cometidos na Ditadura e que agora estão sendo punidos severamente.

*O ator Udo Kier faleceu em 23 de Novembro de 2025, aos 81 anos. Quando já haviam passado  quatro semanas após o filme entrar em cartaz nos cinemas. Ele já carregava uma longa filmografia onde já havia estrelado produções dos mais conceituados cineastas. E já tinha participado de outra produção dirigida por Kleber Mendonça Filho que foi em Bacurau(2019) onde representou o Michael, o psicopata assassino que comanda uma milicia dos Estados Unidos contratado pelo prefeito Tony Júnior para matar o povoado de Bacurau. Sua participação como o Hans em O Agente Secreto o seu último papel da carreira.

 


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