Aproveitando
esse clima em que o filme Ainda Estou Aqui(Brasil, 2024) está sendo tão
comentado e concorrendo ao Oscar.
Foi
nesse momento que foram surgindo matérias lembrando do filme O
Que É Isso, Companheiro(Brasil, 1997) pela coincidência de que ele disputou
o Oscar de 1998 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro com uma temática
parecida de Ainda Estou Aqui. Fora o fato de coincidentemente contar com
a participação de três atores que compõe o elenco de Ainda Estou Aqui.
No filme inspirado no livro homônimo de Fernando
Gabeira que foi um dos responsáveis pelo sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick(1908-1983) em 1969 junto aos guerrilheiros do MR-8, grupo armado
que combatia a Ditadura Militar.
Eu
lembro de ter visto o filme a primeira vez
passando na TV, logo após ter
perdido a estatueta do Oscar de 1998*
para a produção belga-holandesa Karakter(Holanda, Bélgica, 1997) e ao
revisitá-lo na Amazon Prime Video pude constatar como a obra envelheceu bem,
principalmente quando a gente analisa o fato dela ter sido lançado na
segunda metade da década de 1990 quando
o cinema nacional estava timidamente vivendo sua fase de Retomada.
Digo
isso porquê, no começo dos anos 1990, quando o Brasil entrava num cenário
político Pós-Ditadura com a inflação alta, sendo governado pelo primeiro presidente
eleito diretamente pelo povo brasileiro em 1989 que foi Fernando Collor de
Mello, a primeira medida que ele tomou foi confiscar a poupança de todos os
brasileiros e prejudicar a nossa produção cultural cinematográfica
especificamente ao mandar fechar a
Embrafilmes, o que ocasionou como consequência de um dos mais renomados cineastas como Arnaldo
Jabor(1940-2022), por exemplo, decidisse
abandonar sua carreira no cinema e
investisse no jornalismo.
Uma
das produções que mais simboliza essa fase de decadência que o cinema nacional enfrentou
foi o filme Inspetor Faustão e o Mallandro(Brasil, 1991), uma pérola da
vergonha nacional.
Esse período vergonhoso da história do
cinema nacional durou até o momento em
que no governo de outro Fernando, no caso do sociólogo Fernando Henrique
Cardoso que foi um dos articuladores do Plano Real, como é retratado no filme Real-O
Plano Por Trás da História(Brasil, 2017) que ajudou a estabilizar a nossa
economia foi que o cinema nacional teve a sua retomada com as leis de incentivo
à produção cinematográfica.
O
filme que marcou esse ponto de virada dessa fase de retomada do cinema nacional
foi Carlota Joaquina-A Princesa do Brasil(Brasil,1995), um filme de
temática histórica satírica sobre a vinda da Família Real Portuguesa dos
Bragança se instalando em terras brasileiras que eram suas colônias, que contou
com a direção de Carla Camurati e contou com Marieta Severo protagonizando uma
Carlota Joaquina irascível e cheia de muito fogo o que deixou muitos
historiadores irritados, no entanto, acabou casando bem com aquele momento
turbulento momento caótico como um modo escapista de representar o Brasil saindo da alta da inflação.
Foi
nesse exato contexto que foi concebido o filme O Que é isso, Companheiro,
produção que contou com o dedo de uma importante família ligada ao cinema, os
seus produtores-executivos foram o casal Luiz Carlos Barreto e Lucy Barreto e o
filme contou com a direção do filho do casal Bruno Barreto.
Cujo
roteiro foi assinado pelo próprio autor
do livro que o inspirou e que é retratado
no filme representado por Pedro Cardoso em conjunto com o roteirista
Leopoldo Serran(1942-2008) que já carregava uma longa carreira cinematográfica.
A
obra retrata bem como foi sua participação no sequestro ao embaixador
americano Elbrick(Alan Arkin), onde acompanhamos Fernando antes de participar
do grupo armado participando de uma
manifestação ao lado de Artur(Eduardo Moscovis), um aspirante a ator e de
Oswaldo(Selton Mello) que o acompanha na luta armada quando ele é apresentado
por meio de Marcão(Luíz Fernando Guimarães) ao local secreto do bando que é
comandado por Maria(Fernanda Torres) e recebem os codinomes para preservarem
suas reais identidades, Fernando passa ser chamado de Paulo.
No
grupo onde ele ingressa, também integram: Renée(Claudia Abreu), Júlio(Caio
Junqueira), Jonas(Matheus Nachtergaele) e Toledo(Nélson Dantas).
No
decorrer da história, vamos acompanhando Fernando agora como Paulo sendo
treinado para disparar armas e eles
arquitetando o sequestro ao embaixador e até chegar de fato a execução do
sequestro que acompanhamos a rotina tensa deles até a sua libertação que ocorre
no dia 7 de Setembro de 1969, feriado do
dia da Independência do Brasil, após quatro dias de sequestro. Curiosamente, nos Estados Unidos, o título foi adaptado para
Four Days in September.
Que
conclui com a prisão do grupo por Henrique(Marco Ricca), após a libertação do
embaixador americano.
Abordar
as consequências dos atos brutais da Ditadura Militar é um tema muito caro ao
Brasil, do mesmo modo que Ainda Estou
Aqui aborda. Apesar das diferenças de protagonismo, já que o filme Ainda
Estou Aqui é protagonizado pela ótica da família Paiva que passou anos sem saber notícias do paradeiro do patriarca
Rubens Paiva depois que ele foi preso pelos militares. E mostra o nível da violência psicológica que isso trouxe
para a família. Do mesmo modo que Ainda Estou Aqui foi inspirado num
livro de quem também vivenciou o drama que no caso foi o Marcelo Rubens Paiva,
filho caçula de Rubens Paiva e Eunice Paiva que no filme foi retratado na
infância e na vida adulta. Coincidentemente O Que é Isso, Companheiro também
teve inspiração em um livro de
autoria da pessoa que vivenciou a história e é retratado no filme, que no caso Fernando
Gabeira. E aborda isso pela ótica de mostrar as consequências das violências
brutais, principalmente pela ótica do guerrilheiro Fernando Gabeira que
participou de assaltos e organizou o sequestro de um embaixador.
Coincidentemente,
três atores que estão no elenco de Ainda Estou Aqui participaram do
elenco de O Que é Isso, Companheiro: Selton
Mello que protagoniza o ex-deputado Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui, em
O Que é isso, Companheiro ele representou o companheiro de guerrilha de
Gabeira Oswaldo, que é o codinome de Vladimir Palmeira que é dado por Marcão quando integra o grupo, a produção apresentou
aqui uma troca de nomes que era bem comum entre os que integravam o bando armado. Fernanda
Torres que em Ainda Estou Aqui, representou sua esposa Eunice Paiva em O
que é isso, companheiro ela representou a guerrilheira Maria que faz referência
a Maria Augusta Carneiro Ribeiro(1947-2009) que é responsável por treiná-los na
artilharia. E sua mãe Fernanda Montenegro que em Ainda Estou Aqui fez a
Eunice Paiva idosa em O Que é Isso, Companheiro ela faz uma pequena
participação como Dona Margarida a mulher que observa de longe uma movimentação
e liga para a polícia que é atendida pelo Sargento Eiras, representado numa
participação especial pelo cantor Lulu Santos. Dona Margarida é uma referência Elba Souto
Maior, mulher de um capitão da Marinha que testemunhou o sequestro.
Outras
participações no elenco a serem mencionados são de: Pedro Cardoso como o protagonista Fernando Gabeira, o autor
do livro que inspirou o filme, assumi
bem aqui a função de ser o fio condutor da narrativa. Sua representação do
nível da complexidade que esse personagem faz você esquecer os papeis cômicos
abobalhados que ele já representou na TV em novelas e séries da Globo como o
Agostinho Carrara em A Grande Família**(Brasil, 2001-2014).
Também
mencionar as participações do elenco de Luiz Fernando Guimarães que no filme
representou Marcão que é o codinome do jornalista Franklin Martins, seu
desempenho se mostra magistral, principalmente
ao fugir um pouco dos papeis
cômicos abobalhados que ele sempre costumava representar na TV. É ele o responsável por
conduzir o protagonista ao grupo.
Que
nesse núcleo ainda contou com Caio Junqueira(1976-2019) na pele do Júlio que é
codinome de Cid Benjamin, Matheus Nachtergaelle como Jonas que era o codinome de Virgílio Gomes da
Silva(1933-1969), Nélson Dantas(1927-2006) como Toledo que era o codinome de
Joaquim Câmara Ferreira(1913-1970) que são mostrados no filme como um dos articuladores do sequestro e Claudia Abreu como a Renée, codinome de Vera
Silvia Magalhães(1948-2007) que se destaca pela forma como consegue obter
informação privilegiada da rotina do
embaixador Elbrick, se fazendo passar de moça pobre do interior querendo
arrumar trabalho e deixa comovido o segurança da embaixada que foi muito bem
defendido por Milton Gonçalves(1933-2022).
Fora
também as menções ao elenco de Eduardo Moscovis que no filme representou Artur,
um aspirante a ator que apareceu no filme em poucas cenas, apareceu no começo
dividindo o apartamento com Fernando Gabeira e só retornaria a aparecer mais
para frente quando é encontrado na rua pelo acaso por Fernando.
Outras
menções são a Marco Ricca que representou bem no filme o papel do Henrique, um
agente do governo que fica vigilante sobre a caça ao grupo terrorista para resgatar o embaixador
Elbrick, ele deixa bem implícito um perfil de sujeito brutal principalmente
quando prende Fernando e o leva para o Doi-Codi. Mencionar também a participação de Alessandra
Negrini que representa bem o papel da Lilia, esposa do Henrique que consegue
transmitir bem em cena o papel de uma mulher amorosa, dócil, que consegue imprimir
um ar de humanismo em Henrique, mesmo ele deixando implícito ser um sujeito
agressivo.
Assim
como também coloco minhas menções as participações de Mauricio Gonçalves, filho
do ator Milton Gonçalves que também participa do filme como porteiro da Embaixada Americana, que no
filme ele representa bem o agente
Brandão que é o inseparável companheiro de Henrique na caça aos terroristas. Othon
Bastos também é outro grande ator fera que no filme faz uma participação no
papel do Comandante, o metódico arquiteto do resgate ao embaixador.
No
elenco também contou com as participações saudosas de Antônio Pedro(1940-2023)
que aparece no filme representando o dono de um boteco que atende a Júlio, um
dos terroristas representado pelo também saudoso Caio Junqueira que desconfiado
da quantidade de frangos que ele pede para encomendar resolve depois chamar a
polícia. Outro também saudoso ator a ser
mencionado que participou do filme é Jorge Cherques(1928-2011), o proprietário do
local que serviu para o sequestro de
Elbrick que após a saída chama a polícia.
Há
também de mencionar no elenco as
presenças internacionais dos americanos Alan Arkin(1934-2023) que representou
bem no filme o papel do embaixador Elbrick que é o ponto central da trama. Caroline
Kava que representou bem o papel de sua
esposa Elvira Elbrick e Fisher Stevens que representou bem o papel do Mowinkel,
uma espécie de segurança particular do embaixador Elbrick.
Numa
subtrama que retrata um pouco da sua vida rotineira morando no Brasil nos dias
que antecederam ao sequestro.
Posso
concluir que o filme O Que é Isso, Companheiro mostrou que envelheceu bem
não só no quesito de roteiro, que soube como estruturar o mote de uma trama que
aborda uma temática histórica delicada do Brasil, sem cair em maniqueísmos, e
também em não tentar transmitir uma visão tendenciosa em representar os sequestradores
com um perfil heroico. Quanto no quesito produção no apuro da estética retrô em reproduzir tanto nos figurinos, nas caracterizações,
nas cenografias e nas locações uma imersão ao Brasil dos anos 1960.
Principalmente quando a gente contextualiza que sua produção foi lançada bem no
momento em que a produção do cinema nacional estava retomando.
É
um tema muito caro para o Brasil, principalmente quando a gente analisa que o
seu pior legado de impunidade que a autoritária extrema-direita que mitifica
torturadores quer tentar negar os crimes cometidos pelos militares.
E
pior de tudo isso, é a herança do cenário da violência urbana que é sentida até
hoje.
Justamente
por isso é recomendo, conferir o filme O Que É Isso, Companheiro para
quem viu Ainda Estou Aqui.
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