Na noite de Domingo, 23 de Outubro de
2016, fui conferir o filme “O Contador“, acompanhado por meu pai e minha mãe. Nossas
motivações vieram, principalmente, pelo fato do protagonista da obra, estrelada
pelo Ben Affleck, ser autista e também por eu estar no espectro do autismo, pois
sou uma pessoa com a Síndrome de Asperger, e minha mãe estudar esta condição há muitos anos. Antes de descrever minhas impressões sobre o
filme, começo esclarecendo para os pais e mães de autistas ou mesmo aos
profissionais que desenvolvem seus trabalhos científicos da área, que ao lerem
este minha resenha critica ao filme não o vejam como um bom exemplo didático para
entender o comportamento autista, mesmo porque a maneira como o protagonista
representa é pura obra de ficção sem
nenhum compromisso com a realidade, e pode também ser bastante chocante, assim como sentiu minha mãe
que comentou logo após o término do filme, mãe disse “ter tomado um soco no
estômago”!.
A trama do filme gira em torno de
Christian Wolff que é um autista de alto funcionamento com altas habilidades com
números e padrões, e trabalha como contador em um escritório de contabilidade
de fachada em uma cidadezinha provinciana. Seu trabalho é decifrar contas e
caixas bancários para uma clientela de mafiosos, que o leva a viver uma vida
perigosa envolvendo-se em tiroteios e perseguições. As principais
características, que são peculiares das pessoas autistas mostradas no filme
pelo protagonista, são os rituais representados por ele, como por exemplo, sempre
antes de pegar alguma coisa dá umas sopradas nas mãos; sempre que fica irritado,
tenso ou nervoso canta uma canção infantil típica americana para se acalmar;
assim como, antes de dormir, ouvir música em som muito alto, com luzes piscando
e pressiona a perna fortemente, chegando a autoagressão, para aliviar a tensão
do dia (dessensibilização).
A primeira sequência inicia na clínica de
um psiquiatra especialista no assunto quando o protagonista ainda era criança,
mostrando os pais dele conversando com este doutor sobre suas características,
enquanto seu único irmão, um pouco mais novo, observa a cena. Inclusive é
mostrado que o responsável dessa clínica também tem uma filha autista e oferece
acolhimento ao Christian por um período de férias, sem custos para a família. A
mãe concorda, mas o pai não! Este diz que as pessoas precisam se preparar para
se defender no mundo real e não viver em um mundinho superprotegido. Em decorrência das divergências em relação à
educação do filho, a mãe do Christian vai embora, deixando o pai com os dois
filhos.
No decorrer do filme, vamos sendo
apresentados ao modo como o pai conduziu a educação dos filhos, principalmente
depois que a mulher foi embora por não concordar com a metodologia de educação militar
imposta pelo marido aos filhos. O pai é militar e contrata professores para
ensinar técnicas de luta, artes marciais, uso de armas e regras militares para
Christian e o irmão mais novo, para torna-los valentes de modo que possam se
proteger sozinhos. Por causa dessa desestrutura familiar e educação recebida, o
protagonista seguiu um perigoso caminho, motivado principalmente após sua
prisão por ter se envolvido numa briga no velório da mãe e lá seu pai foi
assassinado. Foi na prisão que ele conheceu seu companheiro de cela, chamado
Francis Silverstone (Jeffrey Tambor) que lhe ensinou os truques e passou os
contatos dos mafiosos e foi a partir disso que teve inicio sua jornada
trabalhando com gente perigosa. E assim, Christian se tornou uma grande máquina
de guerra, bom de sopapo e com uma precisão nos tiros tornando-se um atirador
de elite.
O
enredo principal do filme ocorre quando ele começa a trabalhar como contador
para uma empresa chamada Living Robotics de Lamar Blackburn (John Lithgow), e conhece
a contadora Dana Cumming (Anna Kendrick) que está sentenciada de morte após ter
descoberto um erro nas estáticas da empresa. Em paralelo, também ocorre umas
investigações policiais sobre suas atividades ilegais feitas pela agente
Maybeth Medina (Cinthia Addai-Robinson) a mando de Ray King (J.K.Simmons) que a
colocou nesta investigação pela obrigação de saber todo o seu passado criminoso
na sua ficha suja. Tudo num clima de suspense com uma grande atmosfera de filme
de espionagem.
O filme dirigido por Gavin O´Connor consegue
cumprir muito bem ao objetivo para o qual foi feito, que é ser puro
entretenimento de ação, mesclado com toques de suspense policial. A cereja do
bolo para essa receita de sucesso nas telinhas, foi esse tipo de herói com
características bem peculiares das pessoas com autismo. Deu para notar o quanto cuidadoso o diretor precisou
ser para não generalizar nem estereotipar modelos, ainda que possa decepcionar
em alguns momentos. Mas de resto mostra-se um filme bem despretensioso. Tecnicamente
o filme apresenta um tom fotográfico escuro que combina com a atmosfera tensa e
misteriosa para prender a plateia, mas para amenizar a tensão também passeia por
belos cenários panorâmicos de florestas e bons jogos de câmeras. As cenas de
pancadarias estão muito bem coreografadas, mas já são elementos clichê de filme desse estilo. O
roteiro é instigante, envolvente e segue com fluidez. Bem despretensioso, inicia
com pitadas de didatismo para explicar a plateia as principais características
do autismo, de modo que possam compreender a complexidade do protagonista. Na
parte do elenco, Ben Affleck como Christian Wolff está surpreendente neste
papel, ele mostra um bom desempenho ao
incorporar um herói que fora a parte
clichê dos heróis de filmes de ação
sendo bom na porrada e no tiro,
demonstra também um bom desempenho ao representar as suas nuances como autista,
principalmente na parte das estereotipias, como os rituais de assoprar as mãos
antes de pegar em qualquer coisa ou mesmo cantar uma canção para se acalmar e
evitar de se auto agredir, ele consegue transmitir os anseios que o personagem apresenta
a ponto de mostrar que sua interpretação carrega um peso para segurar o filme.
Vale frisar, que o Aflleck já havia vivido
outro herói muito especial no filme Demolidor em 2003, como cego. Também
destaco a Anna Kendrick como a Dana, que desempenha o papel da moça
desprotegida e não passa disso. J.K.Simmons como o agente King que manda a
Maybeth investigar Christian Wolff desempenha este papel de uma maneira
razoável, mas basicamente a sustentação do filme inteiro fica mesmo por conta do
Christian Wolff. Em um balanço geral, O
Contador carrega um excelente enredo voltado puramente para entreter com o
clima tenso do suspense, assim como também carrega um teor discursivo sobre o
fato do protagonista autista ter escolhido trabalhar num meio tão perigoso como
um reflexo do incentivo do pai dele, e
isto não ocorre só com ele, no decorrer do filme é mostrado que seu irmão
também escolheu trabalhar nesse ramo perigoso onde o tempo todo sua vida está
em perigo, também um reflexo da educação
que recebeu, levando-o a trabalhar como uma espécie de matador de aluguel, bom
de sopapo, e com uma precisão nos tiros assim como um atirador de elite.
Reafirmando a recomendação inicial, sugiro
não verem o personagem principal como um bom exemplo para compreender o autismo
porque esta não é a função do filme. Talvez, a única lição que se pode tirar do
filme é que a pessoa autista de alto funcionamento pode se tornar excelente
profissional em qualquer área. Conhecendo bem a sétima arte ao qual sou um
amante, eles aqui apenas se utilizam do recurso narrativo das licenças poéticas
para transmitir puramente diversão ao filme. É o mesmo que você esperar ao
assistir aos filmes da franquia Star Wars que eles sirvam de exemplo didático
para estudar a teoria física do espaço, ou esperar que Thor, herói do Universo
Cinematográfico Marvel nos ensine antropologicamente o modo de vida dos antigos
povos nórdicos do qual ele simboliza como uma divindade do trovão. Não se pode esperar
que no filme em questão, as pancadarias e os tiroteios no qual Christian Wolff
se mete e consegue sair ileso sem nenhum arranhão possam realmente acontecer,
assim como todos autistas de alto funcionamento possam se transformar em uma
“máquina mortífera”.
Para conhecer de fato sobre o autismo e
síndrome de Asperger, recomendo que procurem informações por meios de
profissionais sérios, procurem no Google artigos científicos que desenvolvam
este trabalho com mais consistência, bem como documentários sobre o assunto
para assim compreenderem como funciona o autismo. Para finalizar, reproduzo uma famosa frase do jornalista
Newton Ramalho na Claquete, sua coluna de cinema do Jornal de Hoje aqui de
Natal, ao irem assistir o esse filme, é só “Relaxar, curtir, e apagar o
cérebro”.
Vou assistir na 6a feira... lendo aqui sua resenha... quero que a 6a feira chegue logo
ResponderExcluirFico agradecido.
ExcluirRealmente assistir a um filme qualquer que seja ele e querer assim entender o autismo não parece ser uma boa ideia.
ResponderExcluirDe qualquer forma, estou ansioso para vê-lo por que a história parece muito interessante. Parabéns, Breno!
O filme é incrível!!!
ResponderExcluirSai do cinema estasiada .. querendo veE denovo!
Concordo com você, Breno, quando coloca que a licença poética permite a "fantasiosa" ideia de como o autismo é tratado.. por outro lado também trás faces interessante se do espectro!
É um filme que vale a pena!!!
Adorei o filme. desmitifica a visão romantica de que todo portador de TEA é ingênuo e puro, além de reforçar o papel da educação e da família. Recomendo! PARABÉNS pela resenha!
ResponderExcluirGrato por este feedback.
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