FILME GONZAGA: DE PAI PRA FILHO: PARA LEMBRAR OS 30 ANOS SEM O REI DO BAIÃO
No dia 02 de Agosto de 1989, falecia o mais importante nome da música brasileira, o homem que revolucionou apresentando o estilo musical caracteristicamente nordestino de cantar com o xote, xaxado, baião e o autentico forró pé de serra lá no Eixo Rio-São Paulo lá pela década de 1930-40, numa época em que só a rádio era o único meio mais acessível de divulgação. Estou me referindo a Luiz Gonzaga(1912-1989). E para lembrar esta data das três décadas de sua partida para o plano espiritual comentarei aqui minha crítica com o seu filme biográfico Gonzaga: De Pai Pra Filho(Brasil,2012).
Para mim comentar sobre a importância de Luiz Gonzaga para a música brasileira, especialmente a nordestina é um tanto quanto complicado, visto que pessoalmente não tive muito o privilégio de acompanhar a sua carreira. Quando eu nasci em 1985, a carreira artística do Gonzaga, já se encontrava há muito tempo naquela fase de ostracismo, ele já não representava tanto o cantor mais vendável do mercado fonográfico brasileiro onde foi graças a seu filho Gonzaguinha, célebre e talentoso cantor o revitalizou convidando-o para para tocarem juntos num dueto no começo da década de 1980.
Na época que ele morreu eu era muito criança, tinha só quatro anos. E como toda e qualquer criança dessa geração eu ouvia as canções de conjuntos musicais infantis como Trem da Alegria, Sandy & Junior e músicas de apresentadoras infantis como Xuxa, Angélica e Mara Maravilha. Que eram os artistas que representavam os nomes de peso de ouro na indústria fonográfica brasileira. Juntos com os artistas do pop rock nacional com suas batidas modernas de sintetizador com as influencias das sonoridade de fora pelo punk, a new wave, a break dance dentre outros estilos que revolucionaram uma nova cara para a música naquele contexto dos anos 1980, especialmente com o surgimento da MTV que popularizou os videoclipes. E quando fui crescendo fiquei acompanhando o auge do sertanejo, do pagode meloso e da axé music, estes gêneros musicais eram os que reinavam na indústria fonográfica brasileira pelo seu apelo mais popularesco.
Praticamente eu fui crescendo mais conhecendo as referências míticas que outros artistas exaltam sobre ele, como o icônico Rei do Baião. Mas pelo que seu respectivo filme biográfico apresenta, vamos conhecer muito mais detalhes da vida do Gonzaga além do santificado Rei do Baião que nós conhecemos. Lançado em 2012, ano do seu centenário, o filme contou com a direção de Breno Silveira, um diretor que já é bem familiarizado com o tema cinebiografia sobre uma ilustre personalidade da música, já que antes ele tinha dirigido 2 Filhos de Francisco(Brasil, 2005), filme biográfico da dupla sertaneja Zézé di Camargo & Luciano, que foi um estouro de sucesso e sua primeira experiência na direção. Visto que antes ele já carregava um longo currículo cinematográfico onde atuava como diretor de fotografia e dirigindo videocliples. Soube ao pesquisar mais sobre ele para escrever este texto que ele está desenvolvendo outro filme biográfico sobre outro grande artista da música brasileira,o Rei Roberto Carlos. No filme biográfico sobre o Rei do Baião, o diretor criou sua estética tendo como base no livro biográfico "Gonzagão e Gonzaguinha-Uma História Brasileira" da jornalista Regina Echeverria.
Onde aqui ele mostra numa narrativa em primeira pessoa, todos os detalhes da vida intima pouco conhecida do Gonzaga além do icônico Rei do Baião como o conhecemos. A maneira como ele é conduzida é através do Gonzaga conversando com seu filho Gonzaguinha. Que ocorre logo na premissa da história apresentando Gonzaguinha chegando a Exú/PE, terra natal de seu pai onde ele estava vivendo meio recluso sem contato com o mercadológico mundo louco da indústria fonográfica do Eixo Rio-São Paulo onde fica-se evidente que ele estava passando por um ostracismo na carreira. Nesta passagem fica sugerido que Gonzaguinha vai lá com a dura missão de ir convencer o pai a assinar um novo contrato com a gravadora para iniciar o projeto de parcerias juntos. É nisto que conhecermos as diferentes camadas das personalidades sobre o Gonzaga Pai e o Gonzaga Filho, principalmente no que envolve o tumultuado relacionamento afetivo deles. Principalmente quando Gonzaguinha em diferentes momentos mostra nutrir mágoa por ele por ter muito ausente em sua vida. É por meio desse encontro pessoal deles que vamos conhecendo Gonzagão descrevendo linearmente como era sua juventude lá em Exú.
Onde já mostrava aptidão e dotes artísticos para tocar sanfona, ao mesmo tempo que mostra um pouco de sua personalidade briguenta e vivendo um romance proibido com Nazinha(Cecilia Dassi), a filha do poderoso Coronel Raimundo(Domingos Montagner) com quem ela precisou terminar pelo medo da ameaça de morte. É na sua juventude que ele se alista no exercito e lá durante sua passagem pelo serviço militar ele mostrou suas aptidões artísticas tocando na Banda Militar. Após ser dispensado do serviço militar é mostrado ele chegando ao Rio de Janeiro, então capital federal na época. Onde lá vai enfrentar os mais diferentes percalços para conseguir se estabelecer na carreira artística. Levando muitos foras dos donos de muitas das grandes rádios da época e de dono de gravadora, até finalmente conseguir o tão sonhado estrelato. Foi já no estrelato que é mostrado ele tendo outro envolvimento amoroso que é pela cantora de bar Dancing Brasil Odaleia(Nanda Costa), a mãe de seu primeiro filho Gonzaguinha. Que após complicações no parto e ficando doente terminou morrendo quando Gonzaguinha era muito pequeno. É nisso que passamos a conhecer a construção do complicado relacionamento dos dois ao qual a espinha dorsal do mote do enredo é bastante centralizado. Com Gonzaga sendo muito ausente na vida do Gonzaguinha por causa de suas agendas lotadas de shows. Colocando o menino para ficar aos cuidados de seus padrinhos na favela. O que complicou ainda mais quando ele conhece sua terceira futura esposa Helena(Ana Roberta Gualda), com quem Gonzaguinha não se bicava com ela. E com ela adotaram uma menina. Por causa dessas ausências paternas é mostrado Gonzaguinha sendo flagrado pela policia, praticando furtos. Por causa desse comportamento problemático de Gonzaguinha, Gonzaga decide levá-lo para um internato. Em seguida vai mostrando mais fluidez ao mostrar Luiz Gonzaga vendo sua carreira perder um pouco do fôlego. Ele tira Gonzaguinha do internato, e o que já estava pior. Piorou quando Gonzaga não aprova ele querer seguir os seus passos artísticos, quer que ele seja doutor em vez de cantor. E a história é então concluída com os dois depois de longas conversas e muitas lavagem de roupa suja decidem fazer as pazes. E assim é concluída a história mostrando os dois finalmente juntos cantando para uma turnê com a canção "A minha vida é andar por este pais, para se um dia descanso feliz".
O diretor e toda a produção tiveram o duro trabalho bem meticuloso de apresentar a biografia de dois talentos da música, sendo um cria do outro onde cada um tinha seu estilo próprio. Enquanto o pai Gonzaga tinha como grande característica fazer as músicas que representavam as raízes de sua terra natal com o xote, o xaxado e o baião em conjunto com a sonoridade da sanfona como na própria composição da letra e da melodia que o transformou no mitificado Rei do Baião. Já o filho Gonzaguinha ao herdar o talento do pai, mesmo não virando como posso descrever de uma forma mais coloquial, o Príncipe do Baião. Ainda assim brilhou no estilo musical que seguiu pegando influencias dos sambas cariocas e e da MPB com um estilo musical mais sofisticado, mais culto, especialmente pela sua postura subversiva, transgressora, especialmente pela sua ferrenha crítica ao Regime Militar como bem as letras representavam dessa forma o tornando o símbolo dos jovens universitários com o MAU(Movimento Artístico Universitário), por exemplo. O talento que cada um tinha para fazer música de qualidade os tornava perfeitos, ao mesmo tempo que contrastava com a imperfeição do conturbado relacionamento deles como pai e filho. É neste aspecto o filme explorou bastante da forma mais crível que possa imaginar com umas tomadas de liberdade pincelando e imprimindo umas licenças poéticas para dar mais dramaticidade a obra. Junto também ao impecável trabalho com os planos de câmeras, a brilhante fotografia com belas paletas de cores quentes como mostrada nas cenas de Exu com aquele ar mais escaldante e o tom vintage ambientado nos momentos em que ele chega no Rio de Janeiro então capital federal do Brasil, junto com os detalhes da cenografia que fazem lindas reconstituições de época, principalmente do Rio de Janeiro da década de 1940 e tocando as rádios. Os figurinos e as caracterizações também ficaram perfeitas. No casting de elenco há de se destacar a participação de três atores que ficaram responsáveis por se revezarem no papel do Rei do Baião.
Land Vieira foi quem se encarregou de protagonizar o papel do Gonzagão jovem quando vivia uma vida simples em sua Exu, até se alistar e servir no Exército. O músico Chambinho do Acordeon é quem ficou encarregado de protagonizar no filme o Gonzagão após ser dispensado do serviço militar e viver no Rio de Janeiro, começar sua batalha para ser estabelecer como artista profissional e tendo fincado raízes lá. O ator incorporou bem o papel do Gonzaga em sua fase de ascensão e depois entrando no ostracismo num trabalho perfeito de caracterização além de incorporar bem a essência mais de ser humano imperfeito que ele era. E Adelio Lima é quem incorporou muito bem o papel do Gonzagão mais velho vivendo recluso longe do louco mundo mercadológico da indústria fonográfica do Eixo Rio-São Paulo com um jeito mais melancólico. Cada um dos três desempenhou bastante perfeitamente as diferentes camadas e nuances de um mesmo Gonzaga. Também vale destacar para o brilhante desempenho de Júlio Andrade como o Gonzaguinha, a caracterização dele ficou perfeita, ficou idêntico ao cantor real como estava no auge da carreira. Ele incorporou todos os sentimentos de mágoas que ele nutria pelo pai, por suas ausências. Vale ressaltar que eu também não acompanhei a carreira do Gonzaguinha, eu praticamente cresci mais ouvindo referências ao legado musical dele assim como foi com seu pai. Quando Gonzaguinha faleceu dois anos após o pai, vitimado por um fatídico acidente automobilístico ocorrido em 1991 quando ele retornava de um show no município de Pato Branco/PR. No filme ele assim como Gonzagão também foi representado por três diferentes atores. Além do já citado Júlio Andrade também contou com Alison Santos fazendo o Gonzaguinha menino entre 10 a 14 anos e Giancarlo Di Tommaso fazendo o Gonzaguinha jovem aos 18 anos. O casting de elenco também contou com as participação de grandes star talents da televisão, rostos conhecidos de telenovelas como Nanda Costa na pele da Odaleia, o falecido Domingos Montagner na pele do Coronel Raimundo, Ana Roberta Gualda como Helena, Claudio Jaborandy como Januário, pai do Gonzagão a quem ele dedicou a música Respeita Januário. Cyria Coentro como a mãe do Gonzagão, Silvia Buarque como a madrinha do Gonzaguinha, dentre outras pequenas participações especiais.
Posso concluir que Gonzaga: De Pai pra Filho é um bom exemplo de filme que não se trata só de apresentar uma cinebiografia de um grande gênio do forró pé de serra,autentico gênero musical nordestino que tornava o talentoso e santificado rei do baião Luiz Gonzaga, mas também uma visão mais humanizada e imperfeita dele, explorando principalmente o seu relacionamento afetivo como pai muito negligente e ausente que ele foi com seu filho Gonzaguinha. Como artista ele era uma perfeição, já como pai era uma imperfeição. E a principal espinha dorsal da trama era justamente isso, explorar a complicada relação de pai e filho que mantinham um relacionamento complicado, mas graças a paixão pela música conseguiram se entenderem e fazerem as pazes. Ou seja, é um que aborda o relacionamento familiar, independente de alguém conhecer ou não as carreiras deles. Ele também é um bom exemplo de filme em que as gerações de hoje precisam saber como apreciar uma música de qualidade. E não estas genéricas, de apelo popularesco e pornográfico dessas bandas que se dizem forró ou de qualquer outro gênero que não tem nenhum talento e que são explorados a exaustão pela corrupta indústria fonográfica.
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