quarta-feira, 24 de outubro de 2018

FAROESTE CABOCLO- UMA CANÇÃO DA LEGIÃO URBANA TRANSPOSTA PARA AS TELAS DO CINEMA


Sempre que se menciona o nome da  Legião Urbana, a principal referência  que deve vim a cabeça de muita gente  é o fato dessa banda simbolizar um estilo musical de som pesado apresentar  umas letras de tom anárquico e transgressor,  cujo principal objetivo era  protestar com duras críticas pesadas à política brasileira. Especialmente no contexto dos anos 1980, onde estávamos passando por uma transição da Ditadura Militar para a Nova República, este estilo de música com som pesado do rock e com letras provocativas representaram um importante legado para a nossa  cultura e são bem atemporais. Basta você ouvir “Que pais é esse” uma  canção  lançada há  30 anos   e você vai observar  como a letra dela   ainda consegue refletir ao nosso tempo atual ainda mais nessa polarização causada pela eleição presidencial então nem se fala. E uma dessas canções em especial  que inspirou o filme que será abordado aqui em questão  é Faroeste Caboclo(Brasil, 2013). 














Com direção de René Sampaio, produção da Gávea Filmes e roteiro adaptado por Victor Atherino e Marcos Berstein.  O filme conseguiu bem traduzir através das cores e das  imagens o que a música composta pelo vocalista da banda  Renato Manfredini Júnior(1960-1996), mais conhecido artisticamente como Renato Russo, cuja origem do sobrenome artístico ele  escolheu como homenagem  a grandes intelectuais que admirava como o filosofo inglês Bertrand Russel(1872-1970), além desses, também admirava o filósofo suíço Jean Jacques Rosseau(1712-1778) e o pintor francês Henri Rosseau(1844-1910). Carioca, nascido no berço de uma família  de classe média,  que se mudou para Brasília ainda adolescente,   quando seu pai um funcionário do Banco do Brasil foi transferido para lá. E foi na cidade símbolo do poder político, então recém-construída por Oscar Niemayer(1907-2012) ainda no Governo de Juscelino Kubitscheck(1902-1976) em 1960, mesmo ano que o cantor nasceu, para servir como residência e reduto de todos os mandos e desmandos que os nossos engravatados da política determinam como tudo vai funcionar  para nossa população. Também serviu como o reduto e o grande berço artístico para Renato Russo se lançar no meio musical. 









A canção Faroeste Caboclo  compõe o terceiro álbum de estúdio da Legião Urbana pelo selo da gravadora EMI intitulado Que Pais é  este, que foi lançado no final de  1987. Renato havia começado  a compor esta canção em 1979, bem antes de formar a Legião com inspiração numa canção de Bob Dylan, chamada Hurricane dedicado ao boxeador Rubin Carter(1937-2014). A canção tinha como característica o fato de ter uma longa duração, com nove minutos, contendo 159 versos sem intervalos dos refrãos, foi uma das canções contidas no álbum que foram  proibidas pela censura  de tocarem nas rádios brasileiras. A canção descrevia  um enredo que contava  a trajetória  de João de Santo Cristo, um fudido retirante da seca do sertão nordestino. Que após a morte do pai por motivo de briga de terras, ele movido pelo sentimento vingativo resolve virar um temido criminoso do sertão  e depois foi mandado para reformatório.  Após sair do lugar foi com a ajuda de um boiadeiro que encontrou na estrada e  disse que estava indo para Brasília, onde ele então resolve ir para ver como oportunidade de recomeçar sua vida. Deslumbrado pela incrível metrópole habitada pelos políticos, especialmente pelas luzes de natal como bem descreve a canção. É nesta cidade que temos contada a jornada dele  para sobreviver, é através de seu primo peruano chamado Pablo que ele entra num caminho fácil de se enriquecer e bastante perigoso que é por meio do tráfico de drogas. É neste interim que ele conhece e fica apaixonada por Maria Lúcia, uma jovem de classe média, que desperta também  o interesse de seu rival do tráfico de drogas  o Jeremias, um playboy de família abastada cujo poder de influencia consegue comprar todo mundo, até mesmo os agente da lei. Tudo isso  vai ser motivo para um último capítulo super trágico. 









Toda a essência do mote da canção foi muito bem transportado nas formas e  nas cores através do filme, tirando algumas passagens de trechos que tiveram de serem cortadas para caber no espaço de tempo e não atrapalhar tanto o andamento do ritmo da narrativa e até com algumas liberdades criativas tomadas pela direção para tornar a obra mais palatável ao público em geral poder imergir dentro do contexto daquela história a tornando bem verossímil. Não só a direção de René Sampaio conseguiu manter esta característica, como também o texto bem adaptado por sua equipe de roteirista nos proporcionou uma história bastante  impecável com toda uma atmosfera barra pesada do inicio ao fim, que se mostrou muito bem casado com a direção de arte que criou uma boa reconstrução de época do panorama  da Brasília  dos anos 1980, bem descrita na música, isto pode ser notado nos figurinos, nas arquiteturas e nas presenças dos carros. Com uma excelente fotografia com paletas de cores em tom seco e sujo, especialmente nas cenas que se passam na Ceilândia criando uma sensação de desconforto escaldante. Um lugar com aspecto rural dentro da nossa capital federal onde reside o nosso Presidente da República e onde trabalham os nossos deputados. Uma terra sem lei, ignorada pelos nossos políticos. Ou seja, o filme traduziu bem a visão crítica da  canção da Legião descrevendo esta outra faceta da nossa  capital federal que é desconhecida da maior parte dos brasileiros, que apenas conhece pelos noticiários da TV mostrando a Brasília que mostra as atuações  dos nossos políticos engravatados não fazendo nada para o bem da  nossa população, ostentando carros de luxo frutos de roubo  e se dirigindo  as gigantescas e suntuosas arquiteturas dos  palácios dos planaltos e dos ministérios.  Eu já tive uma oportunidade de visitar Brasília no final de 2014, quando peguei um voo de escala  retornando de São Paulo. Como o meu voo de retorno a Natal  demoraria, resolvi chamar um amigo que mora há muitos anos lá  em Brasília que  fez a boa vontade de fazer um citty tour comigo pela cidade. Lembro de ter ficado maravilhado em ver de perto toda as arquiteturas dos ministérios ali ao vivo e as cores, coisas que só costumo ver nos noticiários da TV. Inclusive observei o ritual dos desfiles de mudanças de guardas dos dragões  do ministério, todos os prédios modernos, inclusive da primeira igreja e a praça se preparando para a cerimônia de posse de Dilma Rousseff para presidente. E me mostrou outras coisas curiosas  da cidade que não são muito mostrado nos noticiários nacionais, como os  bairros residenciais onde vivem as pessoas comuns. As pessoas comuns que habitam a nossa capital federal estão bem representadas no filme com um elenco estelar formados por famosos astros de novelas da Rede Globo e  bastantes afiados nos respectivos  papeis. Fabricio Bolivera como o protagonista João de Santo Cristo desempenhou brilhantemente em todas as camadas que envolviam o personagem que seguia um caminho tortuoso e sem volta. Você compreende as motivações dele, mesmo que não sejam as mais politicamente corretas, mas mesmo assim torce por ele depois de tudo o que ele sofreu ao longo do filme, principalmente nas mão de Jeremias. Ísis Valverde como Maria Lúcia também mostrou um bom desempenho no papel, ao representa-la na típica figura de uma típica jovem  universitária de classe média vivendo uma vida confortável e com bom caráter, tinha tudo para ter um futuro brilhante, mas,  por causa  da sua vida mundana, ainda mais tendo um pai omisso,  desperdiçou tudo ao se enveredar por um caminho perigoso por causa das farras nas baladas, se  drogando, especialmente após se apaixonar por João. Um verdadeiro caso de amor bandido. Apesar disso tudo, você também consegue compreender as motivações dela, e se importar ainda que este não seja o rumo que ela tomou  não sido o mais correto. Felipe Adib na pele do Jeremias mostrou uma atuação impecável ao entregar muitas características ao   caráter podre do antagonista, para torna-lo um tipo desprezível, abominável, especialmente na maneira como ele ficou bem representado como um típico playboy perigoso, nascido no berço de uma família de elite classuda. Que não mede esforços, e nem mesmo conhece limites para conquistar  os seus objetivos gananciosos com toques de puro sadismo. Endinheirado com as drogas, um pouco nos moldes de Pablo Escobar(1949-1993), o maior chefão do narcotráfico na Colômbia, este ai é capaz de comprar todo mundo até mesmo o delegado Marco Aurélio(Antônio Calloni). Antônio Calloni na pele do Marco Aurélio, o delegado corrupto também desempenhou o papel de uma forma brilhante, ele mostrou uma total entrega ao personagem  que por trás da máscara de agente da lei, também tem um caráter tão podre e tão desprezível a ponto de ser um dos mais odiados da história. Além de agir como um pau mandado do Jeremias, Marco Aurélio também  pratica toda a crueldade com agressões e abusos  físicos e verbais especialmente quando mantém João preso.  No momento da grande virada da história, em que João resolve mantê-lo como refém para soltá-lo e depois resolve mata-lo com um tiro, pode se dizer que mesmo que esta não seja a maneira mais correta de resolver fazendo justiça com as próprias mãos, ainda assim  você consegue entender as suas motivações e pode-se dizer que dá para vibrar pelo fim que ele deu ao desprezível delegado. O uruguaio Cesar Troncoso na pele do Pablo, o primo peruano de João também mostrou um excelente  desempenho em todo o arco dele na história ao apresentar o submundo da criminalidade a João como forma de enriquecer mais fácil, mas muito perigoso na venda das drogas que ele planta na região da Ceilândia. Para encerrar a parte do elenco, não podia deixar passar a participação de Marcos Paulo na pele do Ney, pai da protagonista Maria Lúcia, desempenhando perfeitamente o personagem neste que foi seu trabalho póstumo, ele faleceu em 2012 vítima de uma embolia, em decorrência da sua batalha contra um  câncer de esôfago. Um engravatado deputado, magistrado ou mesmo executivo não fica claro  qual a sua  profissão. Mas que de todo jeito mostrou um boa representação dele como, além de  um pai omisso, mas também um sujeito preconceituoso  e desprezível,  isto ele desempenhou  brilhantemente  mostrando uma ótima entrega ao papel na cena quando flagra Maria Lúcia no quarto com João e este completamente enraivecido resolve    expulsar sua própria filha  de casa. Nesta que foi sua última cena no longa. Uma despedida primorosa. 















Outra coisa legal a se destacar está na magistral trilha musical onde podemos ouvir muitos revivals de canções contagiantes que foram sucesso  nos anos 1980, especialmente nas cenas que se passam nas boates. Uma dessas bem interessantes que mais chamou a atenção que é tocada entre uma cena e outra é a contagiante  These Boots Are Made for Walkin´, sucesso da Nancy Sinatra nos anos 1960. 







No balanço geral, Faroeste Caboclo é um bom filme dramático, com toques de romances e suspenses, inspirado numa canção emblemática da Legião Urbana que traz bem um reflexo-critico-provocativo  muito atemporal sobre a nossa juventude brasileira regrada a uma vida promiscua sem uma convivência afetiva familiar como é o caso dos protagonistas e que tendem a cair facilmente no mundo mundano.  Outro fator importante que o filme também apresenta é que preservou muito a essência da canção é uma curiosa alegoria crítica, que é justamente ao fato do filme representar uma Brasília que não é mostrado a população brasileira  nos noticiários da TV com os jornalistas descrevendo a rotina de trabalho dos nossos políticos, seja do Presidente da República, dos Deputados e Senadores  aprovando emendas, comissões, leis  ou mesmo  montando CPIs (Comissões Parlamentares de Inquéritos), ou mesmo na atuação do judiciário. A Brasília que é descrita na canção é isto o filme conseguiu preservar muito bem é de um lugar onde reside as pessoas comuns cuja existência é ignorada pelos nossos políticos, a prova disso é a existência da Ceilândia, um lugar pobre, sem saneamento básico que é facilmente  imperado pelo crime organizado  e sendo como nos filmes dos faroestes americanos, uma Terra Sem Lei, onde  cada um pode fazer a justiça com as próprias mãos já que até mesmo profissionais que deviam fazer a lei como a polícia também se corrompem. Para este momento atual em que vivemos um clima tenso em nossa atual política, a abordagem deste filme serve bem como uma reflexão.

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